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Novo estudo contradiz auditoria da OEA que indicou fraude na eleição na Bolívia

Feito com dados solicitados pelo NYT, trabalho é o segundo realizado por pesquisadores americanos que aponta falhas nas conclusões obtidas pela OEA
Ex-presidente Evo Morales (à direita) participa de entrevista coletiva ao lado do candidato do MAS à Presidência, Luis Arce Foto: RONALDO SCHEMIDT / AFP / 17-2-2020
Ex-presidente Evo Morales (à direita) participa de entrevista coletiva ao lado do candidato do MAS à Presidência, Luis Arce Foto: RONALDO SCHEMIDT / AFP / 17-2-2020

RIO — Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia e da Universidade Tulane, ambas nos Estados Unidos, concluiu que “não há evidência estatística de fraude” nas eleições bolivianas de 20 de outubro de 2019, que deram a vitória ao então presidente Evo Morales. A pesquisa , que avaliou dados coletados das autoridades eleitorais bolivianas pelo New York Times, é ao menos o segundo trabalho que aponta falhas na análise e nas conclusões da Organização dos Estados Americanos (OEA) , principal fonte de apoio a denúncias de fraude que culminaram com a renúncia de Morales.

Segundo o estudo, feito por Francisco Rodríguez, da Universidade Tulane, e Dorothy Kronick e Nicolás Idrobo, ambos da Universidade da Pensilvânia, a parcela de votos do Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Morales, não aumentou inexplicavelmente nas últimas urnas apuradas, como apontou a auditoria da OEA . Esta conclusão, segundo o trabalho, foi erroneamente baseada em técnicas estatísticas inadequadas e dados incorretos.

“Por mais que a evidência quantitativa fosse apenas uma parte do relatório da auditoria da OEA, ele teve — e continua a ter — um grande papel na crise política boliviana. Ele ajudou a condenar Morales por fraude no tribunal da opinião pública. Nós consideramos que esta evidência chave é falha e deve ser excluída”, conclui o estudo, que não descarta irregularidades em outros aspectos da eleição.

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Buscando cessar os protestos contra sua vitória no primeiro turno do pleito, Morales pediu que a OEA realizasse uma auditoria vinculante das eleições. Divulgado em 10 de novembro, o relatório preliminar encontrou irregularidades “muito graves” que levaram a organização a recomendar a anulação da votação. O então presidente, que fora proclamado vencedor em primeiro turno, chegou a convocar novas eleições depois da divulgação do informe, mas acabou renunciando no mesmo dia, após um ultimato das Forças Armadas.

As alegações de fraude eram fomentadas por uma série de problemas com a votação, mas o maior deles girava em torno da suspensão da contagem rápida no dia da eleição, quando 84% dos votos estavam computados.

Na contagem rápida, conhecida como Trep e adotada por sugestão da própria OEA, fotos digitais das cédulas de votação — na Bolívia o voto é manual — são enviadas para contabilização. À época, os auditores da OEA se debruçaram principalmente sobre esta contabilização. Eles afirmaram que  “nos últimos 5% dos votos [dessa contagem], Morales aumentou a média de votos em 15% (...), enquanto [seu principal rival Carlos] Mesa caiu em uma proporção praticamente igual”, um “comportamento muito incomum”.

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Divergências estatísticas

O estudo de Rodríguez, Kronick e Idrobo, no entanto, concluiu que a única maneira de confirmar esta conclusão da OEA seria não levando em conta 1.513 seções que reportaram seus resultados tardiamente e não foram contabilizadas pelo Trep — sozinhos, estes votos correspondem a 82% dos 5% apontados pelo relatório. Levando-os em conta, a tendência projetada pelo estudo não mostra grandes variações. Isso sugere, segundo os pesquisadores, que a OEA usou informações incorretas para chegar a sua conclusão.

Segundo a legislação boliviana, para vencer em primeiro turno o candidato deve ter ao menos 40% dos votos, com no mínimo 10 pontos percentuais sobre o segundo colocado. A contagem preliminar  foi interrompida quando Morales tinha uma vantagem de 7,87 pontos percentuais sobre o ex-presidente Carlos Mesa, o segundo colocado. Quando ela foi retomada, no dia seguinte, a margem de Morales era de 9,3%.

Morales concorria a um controvertido quarto mandato, depois de ser derrotado em um referendo, em 2016, no qual os bolivianos votaram contra mudar a Constituição para que ele pudesse disputar mais uma vez a Presidência.

Os pesquisadores americanos também fizeram projeções da tendência após a paralisação da contagem, levando em conta a eleição anterior e dados das primeiras seções a divulgarem seus resultados em 2019. Esta análise, segundo o estudo, não pode descartar irregularidades, mas indica que a manipulação eleitoral não seria necessária “para explicar a vitória do MAS no primeiro turno”.

Conclusões similares foram obtidas por um estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), divulgado em fevereiro pelo jornal Washington Post. Segundo os pesquisadores, a análise estatística e as conclusões da OEA, cuja versão final foi divulgada em dezembro, “parecem profundamente falhas” e o tamanho da margem de Morales “parece legítimo”. Para eles, é  “altamente provável que Morales tenha ultrapassado a margem de 10 pontos percentuais no primeiro turno”.

OEA defende relatório

Ao New York Times, a OEA disse que continua a defender o relatório, pois ele detectou com sucesso indicadores iniciais de fraude. Segundo o chefe de questões eleitorais da organização, Gerardo de Icaza, o questionamento é “discutível”, pois estatísticas não “provam ou desprovam fraudes”.

— Evidências concretas como boletins de urnas falsos e estruturas de tecnologia escondidas é que o fazem. E foi isso que nós encontramos — disse De Icaza.

A renúncia de Morales — seu vice-presidente e os líderes da Câmara e do Senado também renunciaram — deixou um vácuo de poder que levou à ascensão de Jeanine Áñez ao poder e pôs o país em uma profunda crise política. A antiga segunda-vice-presidente do Senado se autodeclarou presidente interina da Bolívia em uma sessão sem quórum no dia 12 de novembro.

Seu governo vem perseguindo judicialmente ex-integrantes do MAS e, até agora, não realizou novas eleições. Um pleito havia sido convocado para o dia 3 de maio , mas foi adiado por tempo indeterminado em razão da pandemia de Covid-19. Na semana passada, segundo o Tribunal Supremo Eleitoral, foi estabelecida a data limite de 6 de setembro para que a votação ocorra .