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ONG: Bombas de fragmentação fabricadas no Brasil matam civis no Iêmen

PPS pede que produção seja proibida no Brasil
Danos causados a um carro estacionado no local do ataque com munições cluster à cidade de Saada Foto: Divulgação / Human Rights Watch
Danos causados a um carro estacionado no local do ataque com munições cluster à cidade de Saada Foto: Divulgação / Human Rights Watch

SÃO PAULO – As forças da coalizão lideradas pela Arábia Saudita dispararam foguetes fabricados no Brasil contendo bombas de fragmentação (também conhecidas como munições cluster), que atingiram as proximidades de duas escolas na cidade de Saada, no norte do país, no dia 6 deste mês, afirmou nesta sexta-feira a organização Human Rights Watch. As bombas de fragmentação são banidas internacionalmente. O ataque ao bairro de al-Dhubat, na Cidade Velha de Saada, às 20h, matou dois civis e feriu pelo menos seis, incluindo uma criança. A denúncia levou o Partido Popular Socialista (PPS) a pedir a proibição da produção e comercialização desse tipo de armamento.

O ataque ocorreu um dia depois que o Iêmen, Arábia Saudita, Brasil e os Estados Unidos se abstiveram de votar na Assembleia Geral das Nações Unidas uma medida reafirmando uma proibição internacional já amplamente aceita e difundida de utilização de bombas de fragmentação. A medida foi aprovada de forma esmagadora.
— Os brasileiros precisam saber que foguetes produzidos no país estão sendo usados em ataques ilegais na guerra do Iêmen — disse Steve Goose, diretor da divisão de armas da Human Rights Watch e presidente da Coalizão Contra Munições Cluster (CMC), coalizão internacional de entidades que trabalham para erradicar as bombas de fragmentação: — As munições de fragmentação são armas banidas internacionalmente que nunca deveríam ser usadas, em quaisquer que sejam as circunstâncias, devido ao dano infligido aos civis. O Brasil deveria se comprometer imediatamente a não mais produzir ou exportar essas munições.

Foguete de munição cluster fabricado pelo Brasil Foto: Divulgação / Human Rights Watch
Foguete de munição cluster fabricado pelo Brasil Foto: Divulgação / Human Rights Watch

Desde 26 de março de 2015, uma coalizão formada por forças de nove Estados árabes, liderada pela Arábia Saudita, vem conduzindo operações militares no Iêmen contra a etnia Houthi, grupo também conhecido como “Ansar Allah”, e contra forças leais ao ex-presidente Ali Abdullah Saleh. A Human Rights Watch e a Anistia Internacional já documentaram a utilização de pelo menos sete tipos de bombas de fragmentação lançadas no ar e por terra, fabricadas nos Estados Unidos, no Reino Unido e no Brasil. A coalizão admitiu usar munições cluster fabricadas no Reino Unido e nos Estados Unidos em ataques no Iêmen.
Testemunhas descreveram terem ouvido uma explosão estrondosa seguida por várias explosões menores, características de um ataque com bombas de fragmentação. Ayman Lutf, um estudante universitário de 20 anos, disse à Human Rights Watch que cinco submunições caíram em sua rua, danificando um carro estacionado e um reservatório de água.
Segundo o jovem Bassam Ali, de 20 anos, que mora na região, disse que os ataques a cidade são constantes, mas desta vez foi diferente.

— Achamos que era como os mísseis que sempre atingem Saada, que só explodem uma vez. Esse era diferente, foi uma série de explosões juntas. Todas as bombas caíram sobre nosso bairro, nossas casas e ruas — contou.

O mebro do conselho local Khaled Rashed, de 38 anos, disse que o ataque ocorreu perto de uma escola para meninas e uma escola para meninos, ambas perto de Bab Najran, reduto dos Houthi em al-Dhubat. As pessoas feridas no ataque foram levadas para um hospital próximo. Um diretor da escola para meninos disse que os alunos foram instruídos a não retornarem à escola no dia seguinte, uma vez que tinham de ser vasculhadas para detectar restos explosivos, incluindo submunições não detonadas.

O médico Mohammed Hajjar, diretor-geral do maior hospital de Saada, disse que o hospital tratou de sete pessoas feridas pelo ataque, tendo um falecido mais tarde, e outro mesmo antes de chegar. Fatihy Al-Batl, uma ativista local, disse que entre os feridos estavam um professor, um estudante de 20 anos e um menino de 14 anos.

O uso de bombas de fragmentação em territórios controlados pelos Houthi que foram atacados pelas aeronaves das forças da coalizão liderada pela Arábia Saudita e por foguetes lançados desde a Arábia Saudita em ocasiões anteriores sugere que as forças sauditas foram as responsáveis pelo ataque com munições cluster em 6 de dezembro. De acordo com a Human Rights Watch, entretanto, é preciso avançar na investigação para determinar de forma conclusiva a responsabilidade pelo uso das bombas de fragmentação neste episódio.

O reduto Houthi na cidade de Saada tem sido alvo frequente de ataques da coalizão desde o início da guerra. O campo militar Houthi-Saleh fica a menos de 50 metros de al-Dhubat, um bairro da cidade. A Human Rights Watch documentou o uso de bombas de fragmentação por parte das forças de coalizão em pelo menos 17 ataques ilegais no Iêmen, tendo resultado em pelo menos 21 civis mortos, outros 72 feridos e, em alguns casos, atingindo áreas civis.

As bombas de fragmentação são lançadas a partir do solo por artilharia e foguetes, ou lançadas de aviões, e contêm múltiplas submunições explosivas menores que se espalham por uma vasta área. Muitas não são detonadas imediatamente e deixam submunições carregadas, tornando-as verdadeiras minas terrestres que continuam a representar uma ameaça por muito tempo depois que um conflito acaba.
As bombas de fragmentação são proibidas por um tratado de 2008 assinado por 119 países — exceto por Brasil, EUA, Iêmen nem Arábia Saudita, e seus parceiros de coalizão, Bahrein, Egito, Jordânia, Kuwait, Marrocos, Catar e Sudão.

PROJETO DE LEI

O líder do PPS, deputado federal Rubens Bueno, apresentou na Câmara um projeto de lei para proibir a produção, importação, utilização e comercialização da bomba de fragmentação no Brasil. A proposta está em análise na Comissão de Relação Exteriores e Defesa Nacional na Câmara.

- Este tipo de armamento atinge indiscriminadamente alvos militares e civis - disse Bueno. - No entanto, o Brasil ainda está entre os países que se negam a assinar esse importante documento.

Ele lembrou que outras entidades, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), reiteraram o pedido para que todos os países se posicionem pelo banimento das bombas de fragmentação.