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Parlamento de Portugal aprova fim dos vistos gold para quem comprar imóveis em Lisboa e Porto

Concessão de residência em troca de investimento imobiliário a partir de 500 mil euros continuará a vigorar neste ano no interior do país e será renovada para quem já tem o benefício
Foto mostra casal em frente à imobiliária na Praia da Luz, no Algarve Foto: Patricia de Melo Moreira / AFP / 28-04-2017
Foto mostra casal em frente à imobiliária na Praia da Luz, no Algarve Foto: Patricia de Melo Moreira / AFP / 28-04-2017

LISBOA — O Parlamento de Portugal aprovou na noite de terça-feira o fim dos vistos gold para quem comprar imóveis em Lisboa e no Porto. Para cidadãos de fora da Europa, as autorizações funcionavam como um sistema de concessão de residência portuguesa em troca de investimento imobiliário a partir de 500 mil euros (R$ 2,34 milhões), suspeito de ser usado para crimes financeiros. O Brasil , com 863, é o segundo país com mais concessões, atrás apenas da China, com 4,4 mil.

Após ser pressionado pelo Parlamento Europeu e organismos de combate à lavagem de dinheiro, o governo de António Costa , do Partido Socialista (PS), incluiu a proposta no Orçamento do Estado para 2020 que está sendo votado nesta semana, e conseguiu a aprovação com votos da oposição. Antigos parceiros da extinta coligação de governo conhecida como Geringonça , o Bloco de Esquerda (BE) e o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) votaram contra porque apresentaram propostas que encerrariam os vistos gold em todo o país, mas não foram aprovadas.

O fim dos vistos gold para investimentos imobiliários em Lisboa e no Porto é válido para este ano, mas a expectativa é que ele não seja reintroduzido para as duas cidades nos anos seguintes.

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A proposta do PS limita a concessão dessas autorizações ao interior de Portugal e a regiões autônomas da Ilha da Madeira e dos Açores, mas não impede a renovação de vistos já em vigor em todo o país. Ao justificar a medida, a líder da bancada socialista, Ana Catarina Mendes, disse pretender aliviar a pressão imobiliária nas duas maiores cidades do país, além de tentar povoar regiões com baixa densidade demográfica. Outra medida aprovada para combater o despovoamento foi o pagamento de um apoio inicial de até 4,8 mil euros (R$ 22,4 mil) para quem for trabalhar no interior.

Lisboa e Cascais concentram os investimentos dos mais de sete mil vistos gold concedidos por aquisição de imóveis de 500 mil ou mais, enquanto a fatia do Porto é de apenas 1%. Também é possível receber o visto com uma transferência de 1 milhão de euros (R$ 4,7 milhões) ou com a criação de dez postos de trabalho — as duas modalidades são bem menos procuradas, no entanto, e a última, segundo a proposta aprovada, continuará em vigor no Porto e em Lisboa.

Desde 2012, ano da criação da Autorização de Residência por Investimento (ARI, nome oficial), no governo de centro-direita de Pedro Passos Coelho (PSD-Partido Social Democrata), foram concedidos mais de oito mil vistos. De um total de 4,9 bilhões de euros (R$ 23 bilhões) transferidos para Portugal, 4,44 bilhões de euros (R$19 bilhões) foram para compra de imóveis.

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Associações dos setores de construção e imobiliário emitiram comunicado contra a proposta aprovada, alertando para a possibilidade de afastar o investidor estrangeiro de Portugal.

Origem não verificada

Em janeiro, o Tribunal Administrativo de Lisboa determinou que o Ministério da Administração Interna (MAI) enviasse informações à organização Transparência e Integridade, filial da Transparência Internacional . Na resposta, o MAI admitiu não ter “informação crucial para aferir a integridade e utilidade deste esquema”. Foi ainda anexado um documento assinado pela direção do Serviço de Estrangeiros Fronteiras (SEF) no qual atesta que o órgão não verifica a origem do capital investido nos vistos gold .

Vice-presidente da Transparência e Integridade, Susana Coroado disse ao GLOBO que, em meio aos pedidos do Brasil, pode haver cidadãos que queiram o visto somente para terem acesso ao Espaço Schengen de livre trânsito entre 26 países da Europa. Cinco anos após a concessão do gold , o beneficiado pode pedir o visto definitivo e, no ano seguinte, pedir a cidadania portuguesa.

— Muitos do Brasil são pessoas que querem viver de fato em Portugal e têm meios financeiros para isto. Mas no meio destes também tem a questão de fugir do Brasil. Já tivemos caso de ligação com a Lava-Jato. Quem compra o visto gold está interessado no Espaço Schengen — explicou Coroado.

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Apesar do desconhecimento sobre a origem do capital ou a identidade do comprador, Coroado encontrou um padrão de remessa de dinheiro vindo de paraísos fiscais nas informações remetidas pelo MAI a mando da Justiça. São países como Dominica, Antígua e Barbuda, Belize, Granada e Trinidad e Tobago.

— Há vários vistos atribuídos aos cidadãos de paraísos fiscais, que estão nas listas negras da União Europeia. São Cristóvão e Névis, por exemplo. Fazem uma candidatura ao visto gold por lá para evitarem maior controle e camuflar a nacionalidade original. A falta de transparência é total — disse Coroado.

Aposentados estrangeiros serão taxados em 10%

Ainda ontem, o Parlamento aprovou uma taxa de Imposto de Renda de 10% para os aposentados estrangeiros que vivam em Portugal. O valor será descontado das pensões recebidas no país pelos chamados Residentes Não-Habituais (RNH), que estavam isentos. A medida não afetará os brasileiros que já contam com a isenção, mas passará a valer para futuros residentes incluídos nesta modalidade.