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Parlamento de Portugal rejeita proposta de Orçamento, e governo socialista pode cair

Plano contou com a oposição de antigos aliados de esquerda do premier António Costa, e uma nova votação pode ser convocada para o início do ano que vem, mas a decisão caberá ao presidente Marcelo Rebelo de Sousa
Primeiro-ministro de Portugal, António Costa, durante o debate sobre o Orçamento de 2022 no Parlamento Foto: PEDRO NUNES / REUTERS
Primeiro-ministro de Portugal, António Costa, durante o debate sobre o Orçamento de 2022 no Parlamento Foto: PEDRO NUNES / REUTERS

O Parlamento português rejeitou a proposta de Orçamento apresentada pelo governo do primeiro-ministro António Costa, do Partido Socialista (PS) , e agora o país se vê diante de prováveis eleições antecipadas no começo do ano que vem. O projeto, que teve 117 votos contra e 108 a favor, foi alvo de pesadas críticas  e votos contrários da oposição de direita e dos demais partidos de esquerda, que consideraram o texto pouco ambicioso em questões sociais e chegaram a dizer que se tratava de um "balde de água fria".

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Agora, a decisão sobre os próximos passos recai sobre o presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, que sinalizou anteriormente que deveria convocar eleições em caso de derrota governista , mas aliados de Costa afirmaram que o atual premier não pretende se demitir. Uma decisão deve ser anunciada até a próxima quarta-feira.

Esta foi a primeira vez em que o Orçamento de um governo eleito em Portugal é rejeitado, evidenciando a falta de maioria parlamentar de Costa.

— Daqui a alguns anos teremos de explicar aos vindouros estes tempos estranhos e os caminhos que aqui nos trouxeram — declarou o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, ao final de um tenso debate. — Talvez o tempo e a distância iluminem a nossa compreensão.

Ele se referia ao fato de Portugal estar em um bom momento, com a previsão de registrar neste ano um dos maiores crescimentos econômicos na União Europeia, de 3,9%, além de ter atingido o maior índice mundial da população totalmente vacinada contra a Covid-19, 87,2%,  e de ter a receber € 13,9 bilhões em doações e € 2,7 bilhões em empréstimos do fundo europeu de recuperação pós-pandemia — verba que no entanto precisa da aprovação do Orçamento para ser gasta.

A origem dos problemas do agora ameaçado governo de António Costa remete a 2019, quando ele desfez a aliança parlamentar de esquerda conhecida como Geringonça , formada por sete siglas de esquerda e que lhe deu apoio para governar entre 2015 e 2019. Contudo, depois da vitória nas eleições parlamentares de dois anos atrás, Costa optou por comandar um governo de minoria e negociar projeto a projeto com seus antigos parceiros, incluindo o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP), e também eeventualmente com siglas da oposição conservadora.

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Na teoria, o premier buscava ter mais liberdade para agir fora da esfera política da Geringonça, que, embora lembrada por seu caráter de improviso, era vista como um um exemplo de sucesso das esquerdas na Europa, ainda mais quando as siglas de extrema direita avançavam pelo continente. Na prática, as coisas não seguiram a mesma harmonia , e acabaram estourando na crise parlamentar que, agora, ameaça a própria permanência de Costa no poder.

Barganha frustrada

Logo na apresentação do texto do Orçamento 2022, no começo do mês, o ministro das Finanças, João Leão, disse que haveria espaço para a discussão dos pontos com os partidos, frisando que isso se daria dentro de um quadro de “responsabilidade”. Após longas discussões, o BE, o Partido Ecologista Os Verdes e o PCP apontaram que votariam contra o texto caso ele fosse a plenário do jeito que foi apresentado.

A líder do Bloco, Catarina Martins, criticou o que via como retrocessos sociais em relação a propostas anteriores, e com ideias insuficientes, na visão de seu partido.

—  Estas escolhas não têm nada de esquerda, nem são resposta aos problemas do país. E são inexplicáveis, porque o momento devia mesmo ser de mudança — afirmou Catarina Martins, durante o debate no plenário.

Contudo, o governo ainda tinha uma chance de aprovação mesmo sem os votos do BE: se o PCP se abstivesse, como o fez na votação do Orçamento anterior, a proposta sairia vitoriosa com os 108 votos do PS a 105 do Bloco de Esquerda, dos Verdes e da direita.

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O PCP, porém, anunciou hoje que votaria contra o texto, tornando inevitável a sua rejeição. Inicialmente, a sigla disse que estava aberta a negociações com o PS, que fez acenos de aumento do salário mínimo e das aposentadorias, de gratuidade em creches e da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda. Não adiantou.

— Foram longas as horas de negociação na procura de soluções, mas o governo não quis nos acompanhar — declarou o líder dos comunistas, Jerónimo de Sousa. — Neste contexto, face aos compromissos e sinais dados, o PCP votará contra este Orçamento de Estado.

De novo candidato

Na terça-feira, já durante as discussões em plenário, António Costa ressaltou que o plano trazia avanços em questões sociais, como exigidos pela esquerda, mas que também era necessário prezar por medidas de ajuste nas contas.

— Reduzir o déficit e a dívida não é um constrangimento. É um objetivo que articulamos com o aumento de investimentos, salários, pensões, programas sociais e a melhoria dos serviços públicos — declarou o premier, tentando reverter alguns votos contrários e afirmando que os números da economia mostram que Portugal está no “caminho certo”.

Nesta quarta, já prevendo a derrota, Costa afirmou que "fez tudo que estava a seu alcance". Apelando para a responsabilidade fiscal, João Leão também fez um apelo.

— Não é tempo de arriscar e deixar tudo a perder, é tempo de continuar a escolher o caminho equilibrado e sustentável da recuperação do país e da melhoria da vida dos portugueses — apontou no plenário.

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Já na fase final de discussões, o deputado oposicionista Adão Silva, do Partido Social Democrata (PSD), de direita, ronizou a crise entre as forças de esquerda.

— Mais do que um debate sobre o orçamento, estes dois dias foram uma extensa moção de censura ao governo de António Costa — afirmou. — Pouco falta para a Geringonça chegar ao estado de rigor mortis . Paz à sua alma!

Antes do resultado, Costa havia dito que, em caso de derrota, poderia se manter no cargo usando o chamado regime dos duodécimos, pelo qual o governo pode usar mensalmente, no máximo, o valor gasto no mesmo período do ano anterior — isso, porém,  poderia inviabilizar a execução dos programas financiados pela União Europeia.

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Costa queria evitar a dissolução do Parlamento e a convocação de novas eleições pelo presidente Rebelo de Sousa, mas essa é agora a saída mais provável.

— Minha posição é muito simples: ou há orçamento ou não há orçamento, e eu avanço para o processo de dissolução — disse Rebelo na segunda-feira.

De acordo com a Presidência portuguesa, Rebelo vai se encontrar com o presidente do Parlamento e com o primeiro-ministro ainda nesta quarta-feira, e receberá lideranças dos partidos no sábado, dia 30. Uma posição definitiva sobre a convocação de eleições deve ser tomada na quarta-feira da semana que vem.

Caso se confirmem, novas eleições seriam convocadas em até 60 dias, mas provavelmente só ocorreriam em janeiro por causa das festas de fim de ano. Segundo as estimativas, um novo orçamento, já com um novo Parlamento e um novo governo, só deveria sair do papel em abril do ano que vem.

Mesmo rejeitando a ideia de uma nova eleição, Costa afirmou que seria novamente candidato ao posto de premier.