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Pensando nas eleições, republicanos tentam se afastar das ações de Trump na pandemia

Deputados e senadores em áreas centristas evitam relação com o presidente e até trabalham em conjunto com democratas
Donald Trump durante reunião no Salão Oval, no dia 1º de maio Foto: CARLOS BARRIA / REUTERS
Donald Trump durante reunião no Salão Oval, no dia 1º de maio Foto: CARLOS BARRIA / REUTERS

WASHINGTON — Todas as noites, em sua mesa de jantar no sudoeste do estado de Michigan, o deputado Fred Upton, um deputado federal republicano mais alinhado ao centro que concorre ao seu 18º mandato, publica nas redes sociais uma postagem sobre o coronavírus para seus eleitores, ressaltando seus esforços para agir diante da crise e as notícias de Washington.

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Ele deixa fora do seu Facebook menções ao presidente Donald Trump, cuja resposta à pandemia levantou críticas que ameaçam arrastar consigo as chances eleitorais dos candidatos republicanos ao Congresso em novembro. Também não fala das provocativas entrevistas coletivas do presidente, que se tornaram um fórum para ataques contra a oposição democrata e afirmações dúbias sobre o vírus .

— Você tem que se desviar dos obstáculos — disse Upton em uma entrevista, explicando como tenta navegar pelo desempenho de Trump na crise. — Tenho sido cuidadoso, digo “vamos olhar para o futuro” ao invés de “por que não fizemos isso há alguns meses?”. Não quero apontar culpas, quero corrigir os problemas.

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É uma tarefa complicada para congressistas como Upton, de distritos com eleitores majoritariamente centristas ao redor do país, que entendem que suas chances de reeleição — assim como qualquer esperança do seu partido retomar o controle da Câmara dos Deputados — podem aumentar ou diminuir de acordo com a forma como lidam com a pandemia. Já considerados sob ameaça mesmo antes do coronavírus começar a impactar os EUA, esses centristas agora trabalham para conter o risco de seus destinos eleitorais serem definidos pela resposta de Trump, em um momento em que os eleitores independentes estão cada vez menos satisfeitos com a performance do presidente.

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As entrevistas inflamadas do presidente, algo que deixou preocupados até seus assessores políticos, tornam o desafio mais complicado.

— Isso dificulta as coisas — disse o deputado John Katko , republicano de Nova York que disse esperar que seus eleitores não o avaliem com base nas ações de Trump, mas sim com base no seu histórico parlamentar. — Estou me segurando, não me segurando, prosperando, em um distrito que eu provavelmente não conquistaria como republicano.

Ele é um dos dois republicanos concorrendo à reeleição em distritos onde Hillary Clinton venceu em 2016.

Se descolando de Trump

Em uma tentativa de garantir que as disputas eleitorais se tornem referendos sobre seu trabalho legislativo e não sobre Donald Trump, republicanos vulneráveis na Câmara estão dando voz às suas ações independentes, se aproximando de democratas, intensificando seu trabalho de base e realizando eventos com seus eleitores, evitando mencionar Trump sempre que possível.

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É uma estratégia que soa familiar ao ex-deputado Carlos Curbelo , que tentou se distanciar de Trump sobre imigração e outros temas em 2018, enquanto batalhava para manter sua cadeira em um distrito no Sul da Flórida, mas que foi derrotado nas eleições de 2018, que deram aos democratas o comando da Câmara.

— O presidente continua a agir de forma inconsequente no contexto da Covid-19 — disse Curbelo. — Você pode ver uma dinâmica parecida onde muitos republicanos em distritos competitivos vão simplesmente se afastar dele em um esforço para proteger suas próprias candidaturas.

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Muitos de seus ex-colegas em distritos competitivos esperavam que a severidade da crise lhes desse uma plataforma para ressaltar suas próprias ações, disse Curbelo. Mas as entrevistas de Donald Trump acabaram “se tornando mais sobre o presidente e sua personalidade” do que sobre a doença, afirmou o deputado, “levando os republicanos a perceber o risco nesse cenário, algo que certamente é validade por algumas pesquisas”.

Bipartidários

Os republicanos centristas estão fazendo o possível para tentar mudar essa dinâmica. Em reuniões virtuais, pelo telefone, Katko ressaltou a importância de medidas bipartidárias, dizendo que seus eleitores estão “cansados da sujeira” de Washington.

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Ele participou recentemente de um desses encontros virtuais com a senadora democrata Kirsten Gillibrand. Na ocasião, rompeu com um dos líderes de seu partido, rejeitando uma proposta de um senador republicano para permitir que os estados declarassem falência ao invés de receberem uma linha de socorro federal.

— Vou continuar trabalhando do outro lado do corredor — disse Katko, apontando para sua relação com Gillibrand.

Na Pensilvânia, Brian Fitzpatrick, outro deputado republicano em um distrito suburbano que votou em Hillary em 2016, vem fazendo o possível para evitar responder a questões sobre os comentários de Donald Trump.

Perguntado sobre as declarações do presidente minimizando o coronavírus e o comparando a uma gripe comum, desconversou.

— Você terá que perguntar a ele o motivo de ter feito esses comentários — afirmou. — Eu realmente acredito que todos estão fazendo o seu melhor agora.

Julgamentos

Em seus distritos, os congressistas têm sido capazes de evitar esse tipo de questões sobre o presidente e a crise. Eles lidam com uma quantidade imensa de pedidos de eleitores e jornalistas sobre informações básicas sobre quando a ajuda federal vai chegar.

Isso acabou levando a uma nova linha de medidas bipartidárias de deputados mais alinhados ao centro para confrontar a pandemia e ajudar em suas chances de reeleição. Ao anunciar o projeto de lei apresentado com a deputada democrata Stephanie Murphy, que sugere criar uma comissão nos moldes da que analisou a resposta do governo aos ataques de 11 de setembro de 2001, Katko fez questão de ressaltar aos seus eleitores de que a ideia era apolítica.

— Penso honestamente que pode ser uma oportunidade, essa crise da Covid-19, para mostrar às pessoas como o bipartidarismo funciona — disse. — Vamos passar por períodos difíceis. E penso que, enquanto atravessarmos esse período, a última coisa que as pessoas vão querer ouvir é sobre essas besteiras partidárias.

O projeto de Katko vai adiar a comissão para 2021, o que significa que ela só começa a funcionar depois das eleições.