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Portugal terá Parlamento mais plural e com estreia da extrema direita

Número de mulheres cresce, assim como representatividade partidária, incluindo a agremiação radical de direita Chega!, do comentarista de futebol André Ventura

Eleitores fazem fila para votar em uma seção de Lisboa nas eleições deste domingo em Portugal: novo Parlamento terá número recorde de mulheres e partidos
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PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/06-10-2019
Eleitores fazem fila para votar em uma seção de Lisboa nas eleições deste domingo em Portugal: novo Parlamento terá número recorde de mulheres e partidos Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/06-10-2019

LISBOA - Um Parlamento mais plural , com recorde de partidos e mulheres, três representantes negras e a estreia da extrema direita no Legislativo de Portugal . Nas eleições do último domingo, os portugueses deram mais quatro anos de mandato a António Costa , do Partido Socialista (PS), decretaram a pior derrota da direita desde a redemocratização e votaram por uma Legislatura marcada pela diversidade.

Apesar do alerta para a chegada da extrema direita ao Parlamento com André Ventura , do Chega! , partido fundado em abril deste ano, o professor João Bilhim, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, diz que não haverá espaços para radicalismo.

— Portugal é um país de brandos costumes. Faz parte da nossa cultura. O Parlamento português apresentará idêntico padrão aos restantes Parlamentos europeus em termos de diversidade de pensamento político. Acho que será mais rico, sem qualquer risco radical — afirma Bilhim.

Comentarista de futebol em uma das TVs de maior audiência e torcedor do Benfica, clube mais popular, André Ventura, de 36 anos, se elegeu e tirou a invencibilidade de Portugal. O país era um dos quatro da União Europeia sem partidos de extrema direita em seus Parlamentos. Irlanda, Luxemburgo e Malta resistem.

Licenciado em Direito, ex-professor universitário e escritor, Ventura defende a substituição do parlamentarismo pelo presidencialismo e a extinção do Ministério da Educação. Ganhou popularidade ao defender a castração química de pedófilos e pelo discurso de ódio aos ciganos, acusados por ele de viver de subsídios, e imigrantes.

— Não vamos parar até conseguir mudar o regime — declarou Ventura.

Seu principal contraponto será a historiadora Joacine Katar Moreira, eleita pelo Livre. Aos 37 anos, nasceu na Guiné-Bissau e é a primeira líder de partido negra a ser eleita. Durante a campanha, comparou Ventura ao presidente Jair Bolsonaro. Não foi a única negra eleita. Também entraram Beatriz Gomes Dias, do Bloco de Esquerda (BE), e Romualda Fernandes, do PS. Antes, só havia um negro no Parlamento, Hélder Amaral, do Partido Popular (CDS-PP).

— O partido (Livre) será a esquerda antifascista e antirracista. Não há lugar para extrema direita no parlamento português — disse Joacine, que sofre de uma gagueira severa e é criticada por isso nas redes sociais. — Eu gaguejo quando falo, não quando penso. O perigo na Assembleia são os indivíduos que gaguejam quando pensam — rebateu Joacine em entrevista à “TVI” durante a campanha.

O Livre de Joacine defende em seu programa o aumento do salário mínimo dos atuais € 600 (cerca de R$ 2,7 mil) para € 900 (R$ 4,05 mil) até ao final da Legislatura. O partido também quer propor projetos para a igualdade de gênero em todas as instituições do Estado.

Joacine terá a companhia de outras 88 mulheres no Parlamento. Número recorde e 14 a mais que na última Legislatura. É um efeito da Lei de Igualdade, em vigor desde julho, que determina a representação mínima de 40% de cada sexo na composição das listas eleitorais. São 42 pelo PS, 26 pelo Partido Social Democrata (PSD), nove pelo BE, cinco pela Coligação Democrática Unitária (CDU), três pelo CDS-PP e três pelo Pessoas-Animais-Natureza (PAN). Os homens são 141.

— Um Parlamento tão diversificado tem o poder de debater e apresentar propostas que mostrem os erros do populismo, da extrema direita, cujo o Chega! pode crescer devido à exposição do Ventura — defendeu André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.

Haverá dez partidos nesta Legislatura, outro recorde. Além do Livre e do Chega!, a Iniciativa Liberal, de centro-direita, ganhou um assento ao eleger o empresário João Cotrim de Figueiredo.

— O PSD e o CDS, mesmo com o reforço da Iniciativa Liberal e do Chega!, tiveram uma maior derrota histórica da direita em Portugal — comemorou António Costa.

Os números confirmam a derrocada da direita. Enquanto o PS ganhou 20 deputados, o CDS-PP saiu dos 18 para cinco, superando por um assento seu pior resultado, de 1987. Já o PSD caiu de 89 para 77. Juntos, os partidos formaram coligação e venceram as eleições de 2015, mas não obtiveram maioria na época e deram espaço para Costa criar a “Geringonça” . A líder do CDS, Assunção Cristas, entregou a liderança e Rui Rio, do PSD, pressionado pelos críticos dentro do próprio partido, pondera se fará o mesmo.

Segundo o site “Polígrafo”, os votos somados de PSD e CDS-PP (1.637.001) ficaram abaixo dos 1.942.161 de 1975, na primeira Assembleia Constituinte pós-ditadura do Estado Novo.

Mas o Partido Comunista Português (PCP), aliado de Costa na “Geringonça”, também viu sua coligação CDU encolher de 18 para 12, pior resultado desde 2002, enquanto o PAN, provável futuro parceiro dos socialistas, saiu de um deputado para quatro.