LISBOA — Sociólogo português e professor da Universidade de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos lembra que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa pertence à direita, mas guinada à esquerda foi saída encontrada para unir a política.
Como este cenário foi construído?
O ex-presidente Cavaco Silva era totalmente alinhado com a direita neoliberal e resistiu à coligação de esquerda. Marcelo, desde o primeiro momento, deu notícia de que era uma boa solução para o país. Ele se deu conta de que era preciso uma mudança. E esteve sempre distanciado das políticas mais alinhadas com a direita.
Distanciado de que maneira?
Ele pertence à direita com fundo cristão, com grande preocupação social, e conseguiu afastar a polarização da política. O que aconteceu de novo na democracia portuguesa é que a esquerda se uniu de maneira pragmática, acordando em pontos básicos, para tentar repor a renda das classes vulneráveis. Suas posições políticas são conhecidas, desalinhadas dos ajustes de austeridade (FMI, União Europeia e Banco Central Europeu) que por anos a fio empobreceram Portugal. Ao longo de dois anos, Marcelo tem sido leal ao governo, mas é um presidente que tem influência.
Isto gerou tranquilidade política e consenso...
O governo é de um partido de centro-direita, mas tem apoio do bloco de esquerda no Parlamento. Isto é novidade na Europa e no mundo, e o fato ainda não ganhou tanto relevo assim. É um dado novo na política europeia. Portugal faz o oposto do neoliberalismo e conseguiu desenvolvimento econômico, a dívida está sendo paga, o desemprego está em queda e há um ambiente de paz social como há muito tempo não tínhamos.
Desta maneira, com um chefe de Estado carismático, é quase impossível o surgimento de uma liderança forte de extrema-direita, como em outros países da Europa?
Passamos por 48 anos de ditadura, e o país é sensível a isso, com certeza. Se as políticas neoliberais forem dominantes no continente, não há futuro para União Europeia, e haverá outros Brexits.
Qual exemplo a política portuguesa deixa para a Europa?
Os partidos de centro-direita europeus deixaram de defender direitos trabalhistas, a educação, a saúde, que sempre foram temas fortes na União Europeia. Quem se aproveitou deste vácuo foi a extrema-direita, que tem programas com agenda social forte. O PSD voltou a defender estas bandeiras. E a União Europeia começa a perceber que a política sem solidariedade pode ser o seu fim.