LONDRES — A rainha Elizabeth II, a chefe de Estado do Reino Unido, faltou à cerimônia de abertura do Parlamento britânico pela primeira vez em quase 60 anos nesta terça-feira, passando o dever ao seu herdeiro, o príncipe Charles, em um momento histórico no que se considera a transição progressiva de uma monarca idosa determinada a não abdicar.
A rainha de 96 anos geralmente preside o evento repleto de pompa e lê o programa legislativo de seu governo de um trono dourado na Câmara dos Lordes.
Mas, na segunda-feira, o Palácio de Buckingham anunciou que ela faltaria ao rito anual por aconselhamento médico, tomando a decisão "com relutância", por continuar a enfrentar "problemas de mobilidade".
A ausência na abertura do Parlamento se soma a uma série de outras aparições públicas canceladas em função de problemas de saúde e idade avançada, indicando que o seu reinado de 70 anos, um recorde na monarquia britânica, pode estar perto do fim.
Charles foi acompanhado no compromisso de Estado de alto nível por seu filho mais velho, o príncipe William, de 39 anos, que é o segundo na linha de sucessão ao trono.
A Fala do Trono faz parte da cerimônia que marca o início do ano parlamentar, conhecido como Abertura de Estado do Parlamento. A rainha, em sua posição de chefe de Estado, faz um discurso para parlamentares e lordes na Câmara dos Lordes, a Câmara Alta do Parlamento.
No entanto, são os ministros, e não a rainha, que escrevem o discurso, que define a agenda legislativa do governo para os próximos 12 meses e as leis que pretende apresentar.
Famosa por sua pompa e circunstância, a cerimônia geralmente começa com uma procissão na qual a rainha viaja do Palácio de Buckingham a Westminster de carruagem, escoltada por soldados em uniforme cerimonial, enquanto a Coroa Imperial do Estado e outras insígnias são transportados à frente em uma carruagem.
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A monarca veste o Manto de Estado antes de liderar uma procissão até a Câmara dos Lordes, onde se senta em um trono e abre formalmente uma nova sessão do Parlamento, lendo o discurso escrito pelo governo.
A rainha perdeu a ocasião apenas duas vezes durante seus 70 anos de reinado: em 1959 e 1963, quando estava grávida dos filhos Andrew e Edward.
A monarca, que perdeu vários compromissos públicos desde que passou uma noite hospitalizada em outubro passado por uma doença não especificada, teve de emitir uma "Carta de Patentes" para autorizar Charles e William a desempenharem seu papel no evento constitucional.
Charles, 73 anos, que cada vez substitui mais a mãe em eventos oficiais, não chegou de carruagem, e, sim, em um Rolls-Royce oficial com teto transparente, acompanhado pela mulher, Camilla.
Ele não vestiu a tradicional capa de arminho, optando por um uniforme militar com várias condecorações, nem a pesada coroa ornada com pedras preciosas, que presidiu simbolicamente a sessão sobre uma almofada diante do espaço vazio deixado pelo trono da soberana ausente.
O príncipe de Gales se sentou ao lado, em um trono menor que já havia ocupado em outras ocasiões ao lado da mãe. Acompanhado por Camilla e por William, leu o discurso com a mesma voz monótona, solene e aplicada da rainha, diante dos deputados e dos lordes.
O dia de hoje marca um "grande momento" para o príncipe Charles ao fazer o discurso da rainha pela primeira vez, diz Emily Nash, editora real da revista Hello.
Ele está desempenhando, talvez, "a função mais importante que a rainha tem", diz.
No entanto, a cerimônia foi reformulada de uma forma que deixasse claro que a rainha ainda está "no comando", representada pela presença da Coroa Imperial em sua ausência.
— Ainda está dizendo que ela está no controle, mas [os príncipes] estão lá para representá-la hoje — disse Nash.
Programa legislativo de Boris
O discurso, detalhando a agenda legislativa do premier Boris Johnson, durou menos de nove minutos. O controverso chefe de Governo enfrenta ameaças a sua permanência no poder devido à indignação provocada pelo chamado " partygate ", o escândalo das festas ilegais organizadas em Downing Street durante os confinamentos contra a pandemia de Covid-19.
Além disso, o Partido Conservador sofreu uma dura derrota na semana passada, quando perdeu o controle de vários conselhos municipais e quase 500 representantes nas eleições locais, incluindo cadeiras em redutos londrinos importantes como Westminster.
Os eleitores expressaram preocupação com a crise do custo de vida, com uma inflação fora de controle que deve superar 10% este ano.
Mais de 7 milhões de adultos e 2,6 milhões de crianças, em um país de 66 milhões de habitantes, viviam em abril em uma residência sem alimentos suficientes, de acordo com um estudo publicado na segunda-feira pela Food Foundation, um aumento de 57% desde janeiro.
Nesse contexto, o governo tentará "ajudar a aliviar o custo de vida, reduzir as desigualdades, apoiar o Banco da Inglaterra no esforço para devolver a inflação a sua meta", leu Charles.
Entre os 38 projetos de nova legislação também aparecem medidas a favor da transição energética e mudanças para "aproveitar as oportunidades" oferecidas pelo Brexit, como novas regras de concorrência e o controle da imigração.