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Protestos nos EUA entram no 8º dia e Nova York prorroga toque de recolher até domingo após saques

Ao menos três pessoas morreram nas últimas 24h, elevando o número total de vítimas para nove; segundo a Guarda Nacional, incidentes de violência foram menores na noite de segunda
Em Minneapolis, manifestante segura cartaz que diz Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) Foto: LINDSEY WASSON / REUTERS
Em Minneapolis, manifestante segura cartaz que diz Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) Foto: LINDSEY WASSON / REUTERS

WASHINGTON — Os Estados Unidos ingressaram nesta terça-feira em seu oitavo dia de protestos motivados pelo assassinato de George Floyd , um homem negro asfixiado até a morte por um policial branco em Minneapolis, no estado de Minnesota, em 25 de maio. Dezenas de milhares de pessoas juntaram-se às manifestações em ao menos 140 cidades, desafiando o toque de recolher que havia sido imposto em ao menos 40 delas.

Em Nova York, o toque de recolher decretado na segunda foi antecipado nesta terça de 23h para 20h e prorrogado até domingo. A extensão ocorreu depois que  atos de vandalismo e saques foram registrados em diversos pontos da cidade, inclusive na famosa loja de departamentos Macy’s e em  butiques de luxo na Quinta Avenida, em Manhattan, incluindo duas joalherias da Rolex. No distrito do Bronx, um policial foi propositalmente atropelado, enquanto em Buffalo, no interior do estado, uma pessoa em um carro disparou contra a tropa de choque, deixando dois policiais feridos. O motorista e os passageiros foram presos.

Ainda assim, na tarde desta terça milhares de pessoas voltaram a sair em passeata pelas ruas da cidade, manifestando repúdio ao pronunciamento do presidente Donald Trump, que  na segunda ameaçou intervir com os militares nos estados. Protestos semelhantes foram registrados em Los Angeles, na Califórnia, e em Orlando, na Flórida.

Segundo o general Joseph Lengyel, chefe da Guarda Nacional, a violência registrada na noite de segunda foi inferior à vista no domingo, apesar do volume de protestos pelo país ter se mantido igual ou até mesmo aumentado. De acordo com a instituição, cerca de 18 mil homens foram mobilizados para atuar nos 29 estados que pediram reforços na segurança. O governador de Nova York, o democrata Andrew Cuomo, disse que há um contingente a postos no estado, mas o prefeito Bill de Blasio, também democrata, descartou acioná-la nos cinco distritos nova-iorquinos.

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Pelo país, ao menos nove pessoas morreram durante os protestos, três delas nas últimas 24 horas. Em Chicago, segundo a Associated Press, ao menos duas pessoas foram mortas durante a noite, mas não há mais detalhes sobre os incidentes. Em Omaha, no Nebraska, um manifestante negro foi morto a tiros na segunda pelo dono de um bar que, de acordo com a Promotoria, agiu em legítima defesa. Em St. Louis, no Missouri, quatro policiais foram baleados durante um tiroteio em meio aos protestos. Outro policial foi baleado durante os atos em Las Vegas, mas as circunstâncias também não estão claras.

Irmão de Floyd discursa

Em Filadélfia, a polícia estadual usou gás lacrimogêneo para dispersar centenas de manifestantes. Em Dallas, no Texas, manifestantes foram presos após bloquearem uma rodovia, mas as manifestações pacíficas em frente ao Judiciário local foram permitidas após o toque de recolher. Em Louisville, no Kentucky, houve protestos contra a morte de David McAtte, um dono de restaurante, durante os atos de segunda-feira. O chefe de polícia da cidade foi demitido após vir à tona que as câmeras corporais utilizadas pela polícia haviam sido desligadas.

Em Los Angeles, a polícia prendeu manifestantes que continuavam nas ruas após o toque de recolher, que começa às 20h. Segundo a agência Reuters, um shopping a céu aberto foi incendiado por manifestantes.  Ao longo do dia, protestos sem maiores incidentes ocorreram em Hollywood. Em Minneapolis, o irmão de George Floyd, Terrence, foi o primeiro parente a visitar a casa em que o homem vivia e endossou os protestos, mas condenou a violência:

— Se eu não estou aqui furioso, se eu não estou aqui explodindo coisas, se eu não estou aqui bagunçando minha comunidade, então o que vocês estão fazendo? O que vocês estão fazendo? — disse.

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Laudos de duas autópsias divulgados na segunda-feira — tanto o oficial, pedido pelo condado de Hennepin, quanto outro, independente, pedido pela família — concluíram que a causa da morte de Floyd foi a pressão sobre o seu pescoço exercida pelo policial Derek Chauvin enquanto outros três policiais assistiam.

Chauvin foi preso na sexta-feira e acusado de assassinato em terceiro grau , o que ocorre, de acordo com as leis do estado de Minnesota, quando um indivíduo não tem a intenção de matar, mas age com grande indiferença à vida humana, o que pode culminar na morte do outro. O crime é passível de até 25 anos de prisão. Em 99% dos assassinatos com envolvimento da polícia nos Estados Unidos entre 2013 e 2019, no entanto, os agentes responsáveis não foram criminalmente acusados, segundo o projeto "Mapeando a Violência Policial".

Trump ameaça usar Exército

Na noite de segunda-feira, em seu primeiro pronunciamento ao público desde que os protestos começaram, Trump se autointitulou o "presidente da lei e da ordem" e anunciou que usará o Exército para conter as manifestações na capital do país. Ele ameaçou enviar militares aos estados caso os governadores não consigam controlar o que chamou de "criminosos", "anarquistas" e "terroristas internos".

Não está clara a autoridade legal que Trump tem para levar adiante sua ameaça. A Lei da Insurreição de 1807 permite que um presidente use forças militares dentro do território nacional para fazer cumprir a lei, ante tumultos e rebeliões. Especialistas disseram que a lei foi criada com o objetivo de ser usada em circunstâncias como desastres naturais, mas que, mesmo com as circunstâncias atuais sendo diferentes, os presidentes podem enviar tropas unilateralmente para impor a ordem.

Frente à urgência de abordar a violência policial e o uso excessivo da força, democratas e republicanos no Congresso começaram uma nova tentativa de acabar com um programa do Pentágono que busca transferir armamentos militares para os departamentos municipais de polícia. O programa, que havia sido engavetado durante os mandatos do ex-presidente Barack Obama (2009-2017), foi ressuscitado por Trump, cujo comportamento vem acirrando ainda mais as tensões raciais nos EUA. Aliados do presidente, no entanto, continuam a apoiar o projeto.