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Protestos pela morte de George Floyd dão força a propostas de reforma das polícias nos EUA

Iniciativas incluem limites ao uso da força, maior possibilidade de punir policiais e redução dos orçamentos para ações policiais; ações refletem mudanças na opinião pública
Legisladores, funcionários do governo municipal e líderes religiosos carregam cartazes de pessoas mortas pela polícia, em protesto em Nova York Foto: Scott Heins / AFP
Legisladores, funcionários do governo municipal e líderes religiosos carregam cartazes de pessoas mortas pela polícia, em protesto em Nova York Foto: Scott Heins / AFP

WASHINGTON — A onda de protestos nos EUA iniciada após a morte de George Floyd , negro, por um policial branco em Minneapolis, no dia 25 de maio, além do debate sobre o racismo que permeia a sociedade americana, levou o Congresso, cidades, estados e condados de costa a costa a se debruçarem sobre projetos legislativos de reformas das polícias do país.

Em comum, elas tentam encontrar maneiras de restringir o uso da força, especialmente contra populações negras e minorias, além de estabelecer mecanismos para a punição de agentes que violem as prerrogativas de seus cargos.

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Em alguns casos, defendem a própria refundação dos departamentos de polícia, como ocorreu em Minneapolis, onde Floyd foi morto. No domingo, um grupo de vereadores que tem maioria na Câmara Municipal divulgou um comunicado afirmando ser necessário o desmantelamento da polícia local, que tem um histórico de violência policial contra negros. A nova força de segurança, de acordo com o texto, seria criada com a participação da comunidade, em um processo com duração estimada de um ano.

"Décadas de esforços para reformar a polícia mostraram que o Departamento de Polícia de Minneapolis não pode ser reformado, e não será responsável por suas ações", dizia o manifesto dos vereadores.

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Rapidamente a ideia ganhou o país, recebendo elogios e críticas. Uma delas veio do líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell. Para ele, "abolir a polícia só nos levaria para mais longe da segurança, justiça e proteção das leis que todos os americanos merecem". A cidade "não pode realmente acreditar que programas de artes e assistência social possam fazer a aplicação da lei obsoleta", continuou ele, se referindo, de forma jocosa, às propostas de ações comunitárias para redução do crime.

Caberá a McConnell receber, caso seja aprovada, a proposta de reforma das polícias apresentada pelos democratas da Câmara na segunda-feira, um texto que traz ações para facilitar a punição de policiais violentos e limites ao uso da força nas ruas. O plano deve ser aprovado no plenário, e conta com a simpatia de alguns deputados republicanos, pelo menos em alguns pontos.

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Mudança de rumo

Apesar das ameaças de repressão militar feitas por Donald Trump (e refutadas até por integrantes das Forças Armadas), os protestos contribuiram para mudar a maneira como a opinião pública dos EUA vê a questão racial e a violência contra os negros.

Segundo pesquisa divulgada na semana passada pela Universidade Monmouth, 59% dos americanos acreditam que a polícia, em uma situação difícil, está mais propensa a usar a força contra negros do que contra brancos. Em 2016, apenas 34% concordavam com essa afirmação.

Outra sondagem, conduzida pela CBS e pelo instituto YouGov, mostrou que 57% dos americanos acreditam que a polícia trata melhor os brancos do que os negros, e que 61% dos entrevistados dizem que a cor da pele foi um “grande fator” na morte de George Floyd.

Na mesma linha, dessa vez em pesquisa do site Yahoo News, em conjunto com o YouGov, 84% responderam concordar com a demissão dos policiais envolvidos no caso , com 68% dizendo aprovar a abertura de um processo contra Derek Chauvin, o agente que colocou o joelho no pescoço de Floyd por quase 9 minutos, por homicídio.

Propostas em curso

Tais números, somados à insatisfação diária vista nas ruas, deram início a uma série de propostas de reforma nas polícias pelo país.

Deputados estaduais de Nova York começaram, anteontem, a aprovar uma série de medidas focadas na violência policial, incluindo o veto ao estrangulamento (proposta também em discussão na Câmara de Nova York) e o fim de uma medida criada nos anos 1970, que torna sigilosos os registros disciplinares de policiais. As ações contam com o apoio do governador democrata, Andrew Cuomo.

No domingo, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, sinalizou que pode reduzir o financiamento da polícia — algo que o prefeito de Los Angeles, Eric Garcetti, prometera fazer na semana anterior.

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Garcetti anunciou que US$ 150 milhões do orçamento de US$ 2 bilhões do departamento de polícia serão remanejados para programas de saúde e educação. Os dois enfrentam forte oposição dos sindicatos de policiais.

Iniciativas semelhantes devem surgir nos próximos dias. Em entrevista ao New York Times, a vereadora Stacie Gilmore disse ter recebido cerca de 2.500 e-mails na última semana pedindo a redução do orçamento da polícia.

— Nosso departamento de polícia serve, de forma padrão, como um assistente social, terapeuta, conselheiro familiar e de carreiras. Não precisamos que a polícia desempenhe mais esse trabalho. Não funciona para as comunidades de maioria negra — afirmou Gilmore.

Impacto nos dois partidos

Mesmo governadores republicanos, como Scott Walker, de Wisconsin, aliado de Trump, deram declarações sobre mudanças, mas tentaram escapar do tema do corte de verbas, sensível para muitos americanos. O estrategista político republicano Karl Rove, visceralmente ligado ao governo de George W. Bush (2001-2009), afirmou ao site Politico que "os dias de 'trancar e jogar a chave fora' se foram há muito tempo".

Na terça-feira, mesmo dia em que foi enterrado o corpo de George Floyd , o chefe de polícia de Houston, quase que destoando de muitos de seus colegas nos EUA, defendeu a adoção de uma política nacional para as forças de segurança.

— Temos 18 mil departamentos de polícia, com 18 mil maneiras de fazer as coisas e 18 mil protocolos. É hora de nosso Congresso, no que diz respeito a políticas sensíveis sobre o uso da força e ações semelhantes, adotar padrões nacionais de políticas, aplicação da lei e treinamento — afirmou Art Acevedo, em entrevista à CNN.