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Quem é o cantor das Farc que se tornou o primeiro prefeito ex-guerrilheiro da Colômbia

Guillermo Torres, que não se elegeu pelo partido da ex-guerrilha, diz que com sua eleição o povo envia uma mensagem de paz
 Guillermo Enrique Torres Cueter, conhecido na época de combatente como "Julián Conrado", ou simplesmente o Cantor das Farc, é o primeiro ex-guerrilheiro a ser eleito como prefeito da Colômbia Foto: Reprodução
Guillermo Enrique Torres Cueter, conhecido na época de combatente como "Julián Conrado", ou simplesmente o Cantor das Farc, é o primeiro ex-guerrilheiro a ser eleito como prefeito da Colômbia Foto: Reprodução

BOGOTÁ — Guillermo Enrique Torres, conhecido na época de combatente como Julián Conrado, ou simplesmente o “Cantor das Farc ”, fez história no domingo ao se tornar o primeiro ex-guerrilheiro a assumir a chefia de governo de um município na Colômbia, ao ser eleito prefeito de Turbaco, cidade vizinha de Cartagena das Índias, com mais de 50% dos votos.

Apesar do passado guerrilheiro, no entanto, Torres, de 65 anos, não venceu pela Força Alternativa Revolucionária do Comum (Farc), legenda que a ex-guerrilha formou após deixar as armas, em 2017. Em vez disso, escolheu se candidatar por uma aliança de partidos de esquerda formada pelo movimento Colômbia Humana, do senador Gustavo Petro , e a União Patriótica (UP).

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A Força Alternativa Revolucionária do Comum, que nas eleições legislativas de 2018 estreou nas urnas com um fraco resultado de 55.400 votos para o Senado, por sua vez, não conseguiu eleger nenhum dos 16 prefeitos em disputa no último domingo.

Guillermo Torres diz que com sua eleição povo envia mensagem de paz
Guillermo Torres diz que com sua eleição povo envia mensagem de paz

A campanha do ex-guerrilheiro foi baseada na recuperação do meio ambiente e na melhoria do fornecimento de água potável para a cidade de cerca de 70 mil habitantes, onde fica a sede do governo do departamento (estado) de Bolívar Torres. Após a vitória, o Cantor das Farc, como ficou conhecido por interpretar e compor músicas do gênero vallenato, popular na Colômbia , com letras de cunho social, disse à imprensa local que a sua melhor arma “sempre foi um violão”.

“Eleitoralmente, nós turbaqueiros estamos dando uma tremenda surra nos corruptos”, comemorou no Twitter.

Torres é mais conhecido como Julián Conrado, que foi seu apelido por mais de 30 anos nas Farc , ou pelo nome artístico, de que não gosta muito. Ele entrou na guerrilha no final dos anos 1980, depois de ter militado como comunista na juventude, e de integrar a União Patriótica, grupo político de esquerda que teve mais de 3.000 militantes mortos. Na época, se refugiou em Turbaco, com medo de ser morto.

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Mas seu primeiro protesto, quando ainda não estava na guerrilha, foi justamente por causa da água, um tema que há décadas preocupa os turbaqueros.

—  Foi no dia 21 de maio de 1973. Eu era menino e fui um dos organizadores do protesto pacífico que terminou violentamente com a repressão policial. Houve muitas pessoas presas, espancadas. Tivemos que conviver com um toque de recolher por dois meses. Lá fiz meu primeiro discurso —  lembra.

Já na guerrilha adotou o nome de Julián Conrado, em homenagem a um médico amigo e esteve na clandestinidade até 2016. Participou dos fracassados processos de paz dos ex-presidentes Álvaro Uribe (1984) e San Vicente del Caguán (1998-2002) . Depois, se refugiou na Venezuela, durante o auge da guerra na Colômbia. À época, o Departamento de Estado dos Estados Unidos oferecia por ele uma recompensa de US$ 2,5 milhões.

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A Colômbia conheceu seu nome quando o Exército matou Raúl Reyes em 2008, em um ataque aéreo e terrestre a seu acampamento . Na época, o governo de Juan Manuel dos Santos revelou que outro dos mortos era Conrado. Mas foi uma confusão.

—  Eles me capturam na Venezuela e mandaram uma foto para Santos para provar e receber a recompensa. O presidente publicou a foto —   lembra o prefeito eleito, que foi salvo de ser extraditado pelo processo de paz em Havana.

Apesar da história, Torres, que costuma usar trocadilhos, diz que nunca foi de armas, mas de canções, e que fazia parte da área cultural da guerrilha. Nos anos 1970, várias de suas composições apareceram em um disco de vallenatos e, em seguida, gravou algumas outras.

— Eu não sou o cantor das Farc, o que eu sou é o cantor da cidade, porque não canto apenas para a insurgência, também canto para o glifosato, para o meio ambiente e contra a corrupção. Com prefeitura ou sem prefeitura, sempre cantarei — disse, pouco depois de um show a seus eleitores no palco improvisado na praça principal de Turbaco.

Após ser aplaudido, disse estar ciente de sua responsabilidade, e sabe que foi escolhido porque a cidade estava cansada.

— O senhor das trevas diz que prefere guerrilhas dando tiros e não em espaços democráticos dando discursos. Bem, eu digo que não faço caso para  o senhor das trevas, mas para meu povo. E para aqueles que querem destruir o processo de paz, o que estou dizendo é que o processo de guerra deve ser destruído.