Mundo Guerra na Ucrânia

Rússia busca controlar Donbass e Sul da Ucrânia, em rota para região separatista da Moldávia, diz comandante

Não está claro, porém, se essa estratégia mais ambiciosa reflete a meta oficial do Kremlin; plano foi classificado como 'imperialismo' por Kiev
Comboio de blindados se locomovendo na cidade portuária de Mariupol, na Ucrânia Foto: Chingis Kondarov / Reuters
Comboio de blindados se locomovendo na cidade portuária de Mariupol, na Ucrânia Foto: Chingis Kondarov / Reuters

KIEV — A Rússia quer assumir o controle total do Sul da Ucrânia, disse um comandante russo nesta sexta-feira, criando um corredor terrestre entre o território russo e a Crimeia — península do Mar Negro anexada por Moscou em 2014 — e obtendo acesso à região separatista da Moldávia, no Oeste. Essa declaração indicaria uma ambição muito maior do que a anunciada pelo presidente Vladimir Putin de que o objetivo era controlar os territórios separatistas pró-Moscou da região do Donbass , no Leste da Ucrânia, onde milícias travam um conflito com os ucranianos desde 2014.

A declaração foi dada pelo general Rustam Minnekayev, comandante interino do Distrito Militar Central da Rússia, e, se confirmada, corresponderia ao maior detalhamento dos planos de Moscou com a invasão da Ucrânia , iniciada em 24 de fevereiro. Questionado por repórteres sobre a declaração, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, se recusou a comentar, não deixando claro se essa é a estratégia oficial do Kremlin.

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"Eles pararam de esconder [sua intenção]", escreveu o ministro da Defesa ucraniano, Oleksiy Reznikov, no Twitter. "[A Rússia] Reconheceu que o objetivo da 'segunda fase' da guerra não é uma vitória sobre os míticos nazistas, mas simplesmente a ocupação do Leste e do Sul da Ucrânia. O imperialismo como ele é", falou em referência a declarações de Moscou de que sua "operação militar especial na Ucrânia" tem como um dos objetivos "desnazificar" o país.

Citado pelas agências de notícias russas Interfax e Tass, o comandante disse que o controle total do Sul da Ucrânia daria acesso à Transnístria, região separatista da Moldávia que faz fronteira com a Ucrânia e que Kiev teme que possa ser usada como uma plataforma de lançamento para novos ataques contra seu território.

— O controle do Sul da Ucrânia é outro caminho para a Transnístria, onde também há evidências de que a população de língua russa está sendo oprimida — disse Minnekayev, segundo a agência de notícias Tass, em uma reunião na região central de Sverdlovsk, na Rússia.

Mapas da Transnístria, na Moldávia, e de Donetsk, na Ucrânia Foto: Editoria de Arte
Mapas da Transnístria, na Moldávia, e de Donetsk, na Ucrânia Foto: Editoria de Arte

O militar, no entanto, não foi citado fornecendo qualquer evidência ou detalhes dessa suposta opressão, mesma justificativa dada por Moscou para anexar a Crimeia e apoiar os separatistas do Donbass. A Moldávia e líder Ocidentais dizem que é mentira que haja repressão na região.

No começo da noite, o Ministério das Relações Exteriores da Moldávia afirmou ter convocado o embaixador russo em Chisinau para expressar "sua profunda preocupação" com os comentários de Rustam Minnekayev, apontando que eles são "infundados", e que Moscou precisa respeitar a neutralidade do país.

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Observadores militares indicam que os planos não parecem realistas, questionando se a Rússia teria tropas e equipamentos suficientes para vencer a batalha não só em Donbass, mas também no Sul, que abriga Odessa, uma cidade fortificada de um milhão de pessoas. Em sua declaração, Minnekayev não citou a cidade nem Mykolayiv, que permanecem sob controle de Kiev.

Yuri Fyodorov, um analista militar russo, disse ao New York Times que os objetivos mais amplos detalhados pelo general Minnekayev “são inalcançáveis do ponto de vista militar”.

— Todas as unidades russas prontas para o combate estão agora concentradas no Donbass, onde a Rússia não conseguiu avanços significativos nos últimos cinco dias — disse Fyodorov, acrescentando que o posto militar do general  geralmente não permite que ele faça declarações de políticas tão abrangentes. — Isso pode sinalizar uma divergência de posições, talvez significativa, entre os altos escalões militares e a elite política.

No início de abril, Kiev disse que um aeródromo na Transnístria estava sendo preparado para receber aeronaves e ser usado por Moscou para voar com tropas em direção à Ucrânia — alegações que o Ministério da Defesa da Moldávia e autoridades da região negaram. Segundo a CNN, há um contigente de tropas russas na Transnístria desde a década de 1990.

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Na quinta, Putin reivindicou o domínio da cidade portuária de Mariupol , que fica entre a Crimeia e as áreas controladas por separatistas — uma captura que permitiria à Rússia ligar as duas áreas. Ainda há, porém, combatentes ucranianos em Mariupol escondidos em uma usina siderúrgica que Putin ordenou que fosse bloqueada por suas tropas. Nesta sexta, o Ministério da Defesa russo disse que o bloqueio está assegurado.

De acordo com a agência RIA, Minnekayev disse ainda que os relatos da mídia sobre os reveses militares russos estavam incorretos.

— A mídia agora está falando muito sobre alguns fracassos de nossas Forças Armadas. Mas este não é o caso. Nos primeiros dias, as táticas das unidades ucranianas foram projetadas para garantir que, tendo avançado, grupos individuais de tropas russas cairiam em emboscadas pré-preparadas e sofreriam perdas — disse ele à RIA. — Mas as Forças Armadas russas rapidamente se adaptaram a isso e mudaram de tática.

Segundo a RIA, ele também disse que lançamentos diários de mísseis e outros ataques contra as forças ucranianas significavam que a Rússia poderia causar sérios danos sem perder tropas.

No campo diplomático, o secretário-geral da ONU, António Guterres, anuncou que viajará, na semana que vem, à Rússia, onde se encontrará com Vladimir Putin, e, em seguida, até Kiev, para uma reunião com Volodymyr Zelensky.

De acordo com a ONU, Guterres deve se encontrar com equipes das Nações Unidas que estão na Ucrânia "para discutir um reforço da ajuda humanitária destinada aos ucranianos". Com a iniciativa, o secretário-geral busca imprimir algum tipo de protagonismo à organização, que vem sendo deixada de lado pelos principais atores da guerra — a visita também será o primeiro contato com Putin desde o começo de abril, quando Guterres afirmou que a invasão "viola a Carta das Nações Unidas".

* Com informações do New York Times