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Sem Bolsonaro, fórum latino-americano com 15 presidentes tenta retomar integração regional

Primeira cúpula desde 2016 tentará romper com a desarticulação regional que marcou os últimos anos; México tentou viabilizar participação do Brasil, e ausência é vista como entrave para ações conjuntas
Presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (D) aplaude o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel (E), após discurso durante a cerimônia dque marcou os 200 anos da independência do México Foto: GUSTAVO GRAF MALDONADO / REUTERS
Presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (D) aplaude o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel (E), após discurso durante a cerimônia dque marcou os 200 anos da independência do México Foto: GUSTAVO GRAF MALDONADO / REUTERS

Num momento delicado para a região e o mundo, 15 chefes de Estado se reúnem neste sábado na Cidade do México, na primeira cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) desde janeiro de 2016. O grande ausente da única iniciativa atual de retomada da integração entre os países do continente será o Brasil, que saiu do grupo, criado em 2010, em março do ano passado.

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Fontes do governo brasileiro confirmaram ao GLOBO que o México, à frente da Presidência pro tempore da Celac, insistiu para que o Brasil participasse de alguma forma do encontro. Mas todas as tentativas fracassaram, já que a posição do governo de Jair Bolsonaro é de que as discussões na Celac, integrada por 33 nações, não têm efeitos práticos e excluem dos debates questões consideradas centrais pelo Brasil, com destaque para a situação da democracia em países como Venezuela, Nicarágua e Cuba. O governo brasileiro também considera a Celac uma plataforma usada pelo México para tentar assumir o papel de líder regional, em parceria com Argentina e Bolívia.

Sem o Brasil, reconhecem analistas, é complexo ter um plano de voo que objetive relançar a integração, em um momento de crise econômica em todos os países em consequência da pandemia.

A América Latina vive uma desarticulação que contrasta com os primeiros anos do século XXI. O Mercosul está praticamente paralisado pelas divergências entre seus quatro sócios; a União de Nações Sul-americanas (Unasul) foi desativada; o Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (Prosul) nunca decolou; e o Grupo de Lima, criado para coordenar uma estratégia que conseguisse tirar o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, do poder, desapareceu do mapa com a debandada de membros nos últimos meses.

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Ainda sem um horizonte de concretizações claro, a Celac reflete a convicção da grande maioria dos países da região sobre a necessidade de buscar soluções pelo diálogo. A dura ofensiva de países como os EUA (na época do governo de Donald Trump), Brasil, Colômbia e Chile, entre outros, contra Maduro fracassou. No lugar, impôs-se uma estratégia menos radical, defendida por México, Argentina e Bolívia, e hoje vista como a única alternativa por quase toda a região.

O governo mexicano conseguiu que os presidentes Maduro e Daniel Ortega, da Nicarágua, enviassem seus chanceleres à cúpula, para facilitar a presença de chefes de Estado de como Guillermo Lasso, do Equador, e Luis Lacalle Pou, do Uruguai.

Celac versus OEA

A Celac é vista por alguns como um ambiente mais propício para buscar consensos do que a Organização de Estados Americanos (OEA), em que o secretário-geral Luis Almagro é considerado por esses países como um obstáculo para entendimentos com Venezuela e Nicarágua. Já o Brasil (que votou a favor da reeleição de Almagro) ainda considera a OEA o espaço mais adequado para discutir temas regionais.

— Mais importante do que qualquer discussão, é a afirmação de um espaço de convivência. Na cúpula estarão presentes países governados pela centro-direita que estão abertos a participar — afirmou o brasileiro Pedro Silva Barros, ex-diretor da Unasul.

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Para ele, “a cúpula ocorrer às vésperas da Assembleia Geral da ONU sinaliza a vontade da região de expressar-se em conjunto sobre alguns temas”.

— O Brasil sequer pediu condições para participar — lamentou Silva Barros.

Na visão de Juan Tokatlián, vice-reitor da Universidade Di Tella de Buenos Aires e especialista em relações internacionais, pelo contrário, não existem muitos motivos para ser otimista.

— Até agora, tivemos discursos do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, mas faltam consensos. Também sabemos que o México pode fazer discursos duros, mas, na prática, sempre termina fazendo concessões aos EUA — afirmou Tokatlián.

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A Celac tem um papel importante para a China e a União Europeia, que utilizam o grupo para interagir com a América Latina como bloco. Mas, frisou Tokatlián, “falta diplomacia regional” e é difícil “imaginar um projeto sólido de integração sem o Brasil, o vazio que fica é muito grande”. Ele também questionou o fato de o grupo não discutir temas fundamentais como democracia e direitos humanos.

A ex-embaixadora mexicana Olga Pellicer também faz questionamentos:

— Ainda não temos uma agenda clara de debates, apenas ideias lançadas pelo México, como reformar a OEA. E, sabemos, não existem condições para fazer isso .

Para Pellicer, “a grande pergunta é se, nessa reunião, haverá uma disposição clara dos países para melhorar o diálogo e a cooperação. Acho que será possível, mas apenas em aspectos técnicos, não políticos”.

— O fato de que estejam presentes presidentes como os de Cuba e Uruguai, por exemplo, mostra uma pluralidade. No entanto, o presidente de Cuba (Miguel Díaz Canel) teve um tratamento muito preferencial, e essas ações do governo de López Obrador vão na contramão dos esforços de integração — frisou a ex-embaixadora mexicana, que também considerou a ausência do Brasil “um obstáculo enorme para o surgimento de um latino-americanismo com futuro”.

Oposição da nicarágua

Existem, ainda, as tensões atuais entre países que integram o grupo. Nesta cúpula, estava prevista a eleição de um novo presidente pro-tempore , mas o favorito, a Argentina, enfrentou a inesperada oposição da Nicarágua. Ontem, a chanceleria nicaraguense divulgou um comunicado oficial no qual diz que “não é verdade, nem possível, que a Nicarágua vote pela República Argentina para a Presidência da Celac. Não respaldamos, e não votamos por um governo que por desgraça se dispôs a coabitar com o ilegal e ilegítimo governo imperialista ianque, violentando nossa dignidade e soberania pátrias”.

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As eleições na Celac são por consenso, portanto, sem o voto da Nicarágua, cujo governo está furioso com as declarações da Casa Rosada sobre a perseguição a opositores políticos de Ortega, a Argentina não conseguirá suceder ao México nesta cúpula. A crise política em Buenos Aires complicou ainda mais o cenário, já que Alberto Fernández decidiu não viajar para o México, e o país estará representado pelo chanceler, Felipe Solá.