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Sob críticas, alguns estados dos EUA começam a retomar atividades econômicas

Reabertura do comércio é considerada 'muito precoce' por especialistas e até por modelos usados pela Casa Branca; Trump diz 'discordar' de certas medidas
Comércio fechado em Atlanta, no estado da Geórgia Foto: Elijah Nouvelage / REUTERS
Comércio fechado em Atlanta, no estado da Geórgia Foto: Elijah Nouvelage / REUTERS

WASHINGTON — País que registra quase um terço de todos os casos confirmados da Covid-19, mais de 844 mil, e 47 mil mortes, os EUA começam a ver alguns dos estados retomando atividades econômicas e sociais, uma medida que os governos regionais dizem conduzir de maneira segura, mas que não encontra muito respaldo no meio científico.

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Na segunda-feira, governadores de vários estados, a maioria no sul, disseram que aliviariam algumas das restrições ao longo das próximas duas semanas. Alguns deles, como a Carolina do Sul , há lojas abertas, mas com poucos clientes: a maioria está com medo de sair de casa. Na Dakota do Sul , um dos poucos estados a não adotar medidas de distanciamento social, alguns promotores de corridas de automóveis planejam eventos no fim de semana.

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Mas o local que mais chama atenção é o da Geórgia, onde há 20 mil infecções confirmadas, 836 mortes e muitas, muitas críticas à atuação das autoridades locais. Segundo os planos do governador George Kemp , negócios como salões de beleza e estúdios de tatuagem poderão voltar a funcionar a partir de sexta-feira. Na segunda, será a vez de cinemas, restaurantes e clubes noturnos. Todos terão, segundo o governo, que respeitar regras sanitárias específicas, como o uso de máscaras e o distanciamento social.

— Eu vejo o impacto terrível na saúde pública e também no bolso  — afirmou o governador republicano. — Ao invés de outros negócios, esses locais não puderam manter seus estoques, suas folhas de pagamento e outras questões administrativas durante o período em que foi recomendado ficar em casa.

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Segundo a consultoria financeira Moody's , a Geórgia é um dos estados mais capazes de suportar uma forte crise financeira. Ao mesmo tempo, é um dos locais onde menos se testou: foram 83 mil testes aplicados de um total de 4,3 milhões em todo o país.

A decisão de retomar atividades econômicas em alguns estados foi louvada pelo presidente Donald Trump, que não esconde o desejo de ver o país começar a voltar a uma "normalidade".

"Os estados estão retornando de forma segura. Nosso país está começando a ABRIR PARA NEGÓCIOS novamente. Um cuidado especial deve ser dado, e sempre será, aos nossos queridos idosos (menos eu!). Nossas vidas serão melhores que nunca...NÓS AMAMOS TODOS VOCÊS", escreveu o presidente no Twitter.

Mais tarde, no briefing diário na Casa Branca desta segunda-feira, afirmou que não concorda com as ações do governo da Geórgia, mas também pontuou que os governadores "devem fazer o que acharem certo". Ele ainda prometeu reabrir os parques nacionais, mantidos pelo governo federal, mas evitou fornecer prazos.

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Mesmo apontadas como " essenciais " e " seguras ", as retomadas das atividades nos estados são vistas com muitas reticências por especialistas e até integrantes do governo federal. Na sexta-feira, a diplomata e coordenadora da força-tarefa da Casa Branca, Deborah Birx, não se mostrou muito segura sobre a opção.

— Então se existir uma forma das pessoas exercerem o distanciamento sociail e fazer essas atividades, elas podem fazer essas atividades  — afirmou na sexta-feira, ao ser questionada sobre a reabertura de locais como salões de beleza . — Não sei como fazer isso, mas as pessoas são muito criativas.

Abertura precoce

As ações de estados como a Geórgia e a Carolina do Sul vão contra os próprios modelos usados pelo governo para monitorar a evolução dos casos no país. Segundo o modelo da Universidade de Washington , nenhum estado deveria permitir a abertura de lojas e escolas, por exemplo, antes do dia 1º de maio. Sobre a Geórgia, local que está adotando as medidas consideradas as mais agressivas, as projeções dizem que só seria seguro começar a afrouxar as restrições a partir do dia 19 de junho.

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A incerteza é tanta que alguns prefeitos pedem à população que não siga as regras estaduais.

— Estou pedindo aos negócios na cidade de Savannah, não posso falar por outras pessoas, para que permaneçam fechados e não coloquem seus empregados e clientes em situações potencialmente perigosas — afirmou Van Johnson, prefeito de Savannah.

Em uma direção diferente, o governador de Nova York, Andrew Cuomo, disse que um relaxamento "irresponsável" das restrições pode levar a uma segunda onda de infecções.

— Não é hora de agir de maneira estúpida. Muitas pessoas vão morrer se não agirmos de maneira inteligente — afirmou Cuomo. — Se tomarmos uma decisão errada, isso vai atrapalhar nossos esforços.

Nova York é o estado com o maior número de casos nos EUA, 262 mil , e mais de 20 mil mortes . Nos últimos dias, o número de mortes e novos casos vem diminuindo, mas o governador não parece disposto a afrouxar as medidas de distanciamento social, replicando visão de Christopher Murray, um dos responsáveis pelo modelo de evolução da Covid-19, desenvolvido pela Universidade de Washington

— Se as pessoas começarem a retomar suas interações sociais normais, o risco de transmissão vai aumentar...e aí podemos voltar a ver o tipo de aumento exponencial (de casos) que acontecia antes das medidas de distanciamento — afirmou Murray em entrevista à CNN. — O risco é muito grande de uma ressurgência (do vírus) nestas aberturas precoces.

Diretor afastado

Em mais um elemento político da pandemia, o New York Times revelou que um dos responsáveis do governo dos EUA para o desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus foi afastado de seu cargo. Rick Bright, diretor da Autoridade de Pesquisa e Desenvolvimento Biomédico do Departamento de Saúde, foi realocado para um cargo inferior no Institutos Nacionais de Saúde.

"Eu acredito que a transferência tenha sido uma resposta à minha insistência para que o governo investisse os bilhões de dólares alocados pelo Congresso para enfrentar a pandemia da Covid-19 com soluções seguras e baseadas na ciência, não em drogas, vacinas e outras tecnologias sem mérito científico", disse Bright ao New York Times. Ele se referia à pressão da Casa Branca para que o uso das drogas cloroquina e da hidroxicloroquina fosse ampliado.

"De forma específica, indo contra as ordens, limitei o uso amplo da cloroquina e da hidroxicloroquina, pormovidos pelo governo como uma panaceia, mas que não têm qualquer base científica", afirmou Bright, que é funcionário de carreira no governo.

A Casa Branca e o Departamento de Saúde não comentaram.