Exclusivo para Assinantes
Mundo

Terminologia usada por Trump para nomear coronavírus aumenta tensões com Pequim

Presidente americano falou em 'vírus da China' e usou doença para justificar restrições à imigração
O presidente Donald Trump fala a repórteres no Capitólio sobre disseminação do coronavírus Foto: Samuel Corum / AFP
O presidente Donald Trump fala a repórteres no Capitólio sobre disseminação do coronavírus Foto: Samuel Corum / AFP

WASHINGTON — Tanto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quanto o chinês Xi Jinping têm boas razões para evitar serem politicamente responsabilizados pelo surto de coronavírus . Agora, enquanto a doença designada como Covid-19 se expande nos EUA, Trump e outros republicanos procuraram destacar a origem estrangeira do surto e até usá-la para justificar restrições à imigração — incluindo um muro na fronteira com o México.

Na terça-feira, Trump retuitou um post de seu apoiador Charlie Kirk que chamava o coronavírus de “vírus da China”. Além de concordar, Trump escreveu: “Precisamos do muro mais do que nunca!”

Pequim luta contra essa terminologia desde que o vírus foi descoberto na cidade de Wuhan, no centro da China, em dezembro. Diplomatas chineses e a mídia estatal se opuseram a expressões como a “gripe Wuhan”. Na semana passada, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Zhao Lijian, argumentou que “nenhuma conclusão foi tirada ainda sobre a origem do vírus”.

— Ao chamá-lo de vírus da China e, assim, sugerir sua origem sem nenhum fato ou evidência, alguns meios de comunicação claramente querem que a China assuma a culpa e suas segundas intenções ficam claras —  disse Zhao.

A Organização Mundial da Saúde denominou a doença como Covid-19 — abreviação de doença de coronavírus 2019 —, em parte para evitar estigmatizar qualquer local ou grupo no caso de um vírus que representa riscos para todos. Robert Redfield, diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, concordou que o termo “coronavírus chinês” era inadequado quando questionado sobre o tuíte de Trump, em uma audiência no Congresso, na terça-feira.

Entenda: Saiba tudo sobre o novo coronavírus

A tensão é o capítulo mais recente de um confronto maior entre as duas maiores economias do mundo, que vai desde a competição comercial e militar até a disputa em torno dos equipamentos fabricados pela Huawei. É também a continuação de uma disputa diplomática que começou quando os Estados Unidos acusaram Pequim de cancelar visitas de especialistas em saúde americanos à China, e que pode dificultar os esforços globais para combater o surto que se espalha rapidamente.

— Esse jogo da culpa geopolítica provavelmente é um jogo perdido tanto para a China quanto para os Estados Unidos — disse Rory Medcalf, professor que chefia o National Security College da Universidade Nacional da Austrália. — Essa crise econômica e de saúde global começou com a omissão interna na China. Mas o mundo perderá a oportunidade de lidar com os perigos por meio de uma cooperação honesta se Washington e Pequim não agirem rapidamente agora para se concentrar em soluções globais, não em narrativas que apontam culpados.

O debate se intensificou depois que o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, reclamou durante uma entrevista da Fox News em 6 de março que a China não estava sendo transparente sobre o que chamou de “vírus Wuhan”. Questionado sobre o uso do termo, ele disse que as autoridades chinesas reconheceram que a doença começou ali:

— Não aceite minha palavra, aceite a deles. Eles estão certos neste caso.

O Ministério das Relações Exteriores da China reagiu, denunciando a terminologia de Pompeo como “desprezível”.

— Apesar de a OMS ter oficialmente nomeado esse novo tipo de coronavírus, um certo político americano, desrespeitando a ciência e a decisão da OMS, não perdeu a primeira oportunidade de estigmatizar a China e Wuhan — disse o porta-voz do ministério, Geng Shuang, em uma entrevista na segunda-feira.

Entrevista: 'Trump é tão incompetente que pode perder eleição se não souber lidar com uma crise', diz estudioso do fascismo

Questionado novamente na quarta-feira, Geng afirmou que essa retórica “não é propícia para um esforço internacional conjunto de combate à epidemia”.

Na China, onde ocorreram a maioria dos casos e mortes confirmados, Xi tem lutado para controlar a narrativa política. Ele substituiu os principais líderes em Wuhan e na província da qual a cidade é a capital, Hubei, no mês passado, após um raro protesto público sobre a resposta do governo à doença.

Agora, o vírus também está dominando a agenda política dos EUA , com os dois principais pré-candidatos democratas, o ex-vice-presidente Joe Biden e o senador de Vermont Bernie Sanders, criticando o tratamento dado por Trump ao surto e cancelando seus próprios comícios para evitar agravá-lo. Vários legisladores republicanos, incluindo o senador Ted Cruz, do Texas, se colocaram em quarentena por precaução depois de entrar em contato com uma pessoa que confirmou ter o Covid-19.

O líder da minoria republicana da Câmara, Kevin McCarthy, também usou o termo “coronavírus chinês” no Twitter. O que levou a deputada Lois Frankel, da Flórida, a pressionar o diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, questionando se ele concordava que a terminologia era “absolutamente errada e inadequada”.

— Sim. A China foi a primeira fase. Coreia e Irã foram a segunda fase. Com a Itália, agora está em toda a Europa.