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Trump acelera expulsão de imigrantes sem documentos durante pandemia de novo coronavírus

A patrulha fronteiriça tem menos de 100 pessoas sem documentos sob custódia, quando há um ano esse número estava perto de 20 mil
Trump e Mike Pense, vice-presidente dos EUA, chegam para a entrevista coletiva diária sobre o novo coronavírus Foto: JIM WATSON / AFP/09-04-2020
Trump e Mike Pense, vice-presidente dos EUA, chegam para a entrevista coletiva diária sobre o novo coronavírus Foto: JIM WATSON / AFP/09-04-2020

WASHINGTON - O Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês)  expulsou quase 10 mil imigrantes sem documentos que entraram no país desde que foi adotada em 21 de março uma medida que permite aos agentes devolverem estrangeiros sem documentos sem a necessidade de abrir um processo. As novas regras afetam detidos vindos de México , Guatemala , El Salvador e Honduras , que são devolvidos ao território mexicano ou ao Canadá.

— Atualmente, a agência tem menos de 100 imigrantes indocumentados sob custódia, em comparação com quase 20 mil há um ano — disse Mark Morgan, chefe interino do CBP, em uma entrevista coletiva por telefone na quinta-feira.

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Imigrantes indocumentados "têm problemas que eu não quero conhecer e, em muitos casos, são criminosos", disse o presidente dos EUA, Donald Trump, na terça-feira. Amparando-se na crise de saúde e na necessidade de evitar contágios, o presidente aprovou uma medida de emergência em 20 de março que acelera a expulsão dos estrangeiros sem papéis. Desde a implementação dessa política, endossada pelo Centro de Doenças e Prevenção (CDC, em inglês), as travessias ilegais de fronteira caíram 56%.

Organizações que ajudam os solicitantes de asilo acusam o presidente de usar a pandemia como desculpa para fechar a fronteira para aqueles que buscam refúgio, "violando acordos internacionais".  Morgan argumentou que os pedidos de asilo ou outras formas de proteção humanitária ainda estão disponíveis para os imigrantes que demonstram um "determinado nível de medo", embora não esteja claro como podem verificar isso, uma vez que o chefe interino também afirmou que "aqueles que não têm documentos (de entrada) ou não  têm autorização são rejeitados ”.

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O CBP informou que o número total de imigrantes detidos na fronteira caiu para 33.937 em março, 7% a menos do que em fevereiro. O perfil de quem chega mudou no ano passado. Atualmente, mexicanos adultos solteiros representam de 70 a 75% dos detidos, sendo o restante proveniente principalmente do Triângulo Norte da América Central. Os agentes colhem suas impressões digitais onde os encontram e, se não tiverem antecedentes criminais, são enviados para o México ou o Canadá. Se um dos  países vizinhos não puder recebê-los porque não atendem aos requisitos do acordo, são deportados diretamente para seus países de origem, de acordo com o Departamento de Segurança Interna.

— O governo Trump está adotando as políticas antiimigração que desejava colocar em prática desde o primeiro dia na Casa Branca.  O governo quer proteger os cidadãos, mas também fechar a fronteira, então esse cenário é do seu interesse — explicou a advogada Shana Tabak, diretora executiva do Centro de Justiça Tahirih, que oferece serviços jurídicos aos imigrantes.

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Tabak visitou os campos montados em Ciudad Juárez para os expulsos em novembro, onde a situação, como ela descreve, é "deplorável", sem medidas sanitárias.

— Não consigo nem imaginar que alguém que queira se proteger do vírus o consiga nessas instalações — lamenta.

Os abrigos tendem a funcionar além de sua capacidade, especialmente desde que o programa Fique no México foi implementado em janeiro de 2019 — plano imposto por Trump e que o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, aceitou, segundo o qual os imigrantes que entram com pedido de asilo nos EUA aguardam o resultado no México. Segundo fontes do governo mexicano, os centros "funcionam adequadamente dentro de suas capacidades, sem superlotação" e que "para proteger pessoas vulneráveis" não estão aceitando menores desacompanhados ou idosos. Eles também não admitem cidadãos de outras nacionalidades além daqueles do Triângulo Norte ou migrantes que estavam anteriormente sob custódia das autoridades dos EUA.

— Nos Estados Unidos, eles estão tratando da mesma forma tanto os requerentes de asilo com documentação que apoie sua situação como imigrantes que cruzam ilegalmente a fronteira, o que viola a Convenção para Refugiados e o direito de asilo — explica Eleanor Acer, diretora da  Programa de Proteção aos Refugiados da Human Rights First.

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Além da violação de direitos, a Human Rights First denuncia que os agentes de fronteira não são os indicados para cuidar de uma pessoa infectada.  Na segunda-feira, o CBP anunciou que 160 policiais estão infectados. Ainda não foi relatado se algum migrante sob sua custódia teve teste positivo para o novo coronavírus.

O Departamento de Segurança Interna argumenta que o CBP conta com procedimentos para lidar com a situação, mas que, com a pandemia, o sistema de saúde e os profissionais "são necessários para cuidar de cidadãos e residentes legais dos EUA". Trump foi perguntado durante uma entrevista coletiva na semana passada sobre a situação dos imigrantes que trabalham sem documentos nos Estados Unidos e que, portanto, não receberão ajuda federal.

— É uma pergunta muito triste, mas eles  vieram ilegalmente e temos muitos cidadãos que não terão emprego — respondeu.