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Trump ordena que distritos eleitorais excluam imigrantes irregulares, medida que redefiniria mapa de votações

Medida não seria válida para próximo ciclo eleitoral e será contestada na Justiça
Manifestação em abril de 2019 para que Censo dos Estados Unidos não incluísse pergunta sobre a cidadania Foto: MANDEL NGAN / AFP 23-4-19
Manifestação em abril de 2019 para que Censo dos Estados Unidos não incluísse pergunta sobre a cidadania Foto: MANDEL NGAN / AFP 23-4-19

WASHINGTON - O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou um memorando nesta terça-feira que impediria a contagem de imigrantes irregulares quando os distritos eleitorais para o Congresso dos EUA forem redesenhados. A medida poderia mudar o mapa eleitoral dos EUA, mas não seria válida para este ciclo eleitoral e provocou repreensões rápidas dos democratas e ao menos uma promessa de contestação judicial.

Especialistas e advogados em questões ligadas ao Censo dos EUA dizem que a ação é legalmente duvidosa e que não é facilmente exequível na prática. Em teoria, a medida poderia beneficiar o Partido Republicano de Trump, ao tirar o peso de populações de imigrantes muitas vezes não brancos e criar distritos eleitorais com maior peso para eleitores caucasianos.

Isto também poderia fazer com que estados populosos com grandes contingentes de imigrantes perdessem assentos na Câmara dos Deputados de 435 membros dos EUA, incluindo grandes estados que tradicionalmente votam nos democratas, como a Califórnia — atualmente com 53 assentos — e Nova York, com 27.

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O processo de desenhar mapas de votação para distritos federais do Congresso é conhecido como rateio.

“A inclusão desses estrangeiros ilegais na população do estado para fins de rateio pode resultar na alocação de duas ou três cadeiras a mais do que seria de outra forma", diz o memorando.

O redistritamento, no qual os distritos eleitorais são redesenhados para refletir mudanças na população, está programado para 2021, após a conclusão dos resultados do Censo dos EUA em 2020.

Cada estado receberá uma fração dos 435 assentos da Câmara com base em sua população. Historicamente, a distribuição de assentos tem sido baseada na população total, independentemente do status migratório de seus habitantes. O memorando de Trump excluiria aqueles que não estão nos EUA legalmente.

Tom Wolfe, consultor sênior do Brennan Center, instituto progressista, disse que o memorando é "destrutivo (e) sem sentido".

Do ponto de vista jurídico, a medida está longe de ser uma unanimidade.

Os defensores de distritos eleitorais desenhados baseando-se na contagem de somente cidadãos americanos argumentam que cada voto deveria ter o mesmo peso. Se um distrito tem muito menos eleitores aptos a votar do que outro, eles dizem, cada voto lá tem influência desproporcional sobre resultados eleitorais.

Mas, enquanto a Suprema Corte dos EUA deixou a porta aberta para os mapas eleitorais serem definidos pelo status migratório para as legislaturas estaduais, especialistas pensam que o mesmo princípio não se aplica para o Congresso federal.

Isso acontece porque o a Constituição dos EUA diz explicitamente que os distritos do Congresso devem se basear no "número total de pessoas" em cada distrito, contadas em cada Censo decenal dos EUA.

Dale Ho, advogado da União Americana de Liberdades Civis, prometeu entrar com ações, dizendo em comunicado: "Nós o veremos no tribunal e venceremos ", referindo-se ao presidente.

No memorando, Trump disse que a palavra" pessoas" nunca foi entendida como incluindo “todo indivíduo fisicamente presente dentro dos limites de um estado". No entanto, especialistas do Censo contudo discordam do presidente, e dizem que a interpretação mais recorrente é exatamente esta. Várias leis federais reforçaram que a divisão deve incluir todos, e o precedente da Suprema Corte dos EUA endossou essa visão, disse Joshua Geltzer, especialista em Direito Constitucional e professor da Universidade de Direito da Universidade de Georgetown.

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Alguns veem a ordem como um grande teatro, especialmente porque não está claro como Trump reuniria os dados necessários para identificar e excluir as pessoas em situação irregular.

Em 2019, o presidente assinou uma ordem executiva pedindo aos estados para fornecer ao seu governo registros governamentais, como bancos de dados de carteira de motorista, que poderiam ser usados para determinar a população sem cidadania. Outras pesquisas conduzidas pelo Censo fornecem estimativas da população não cidadã.

Mas esses dados são incompletos e pouco confiáveis, argumentaram os demógrafos.

— Não há contagem — disse Justin Levitt, professor da Loyola Law School, em Los Angeles, e ex-funcionário do Departamento de Justiça dos EUA sob o então presidente Barack Obama, democrata. — É como se (Trump) tivesse ordenado ao comissário da Associação Nacional de Basquete que implementasse regras para o uso de botas antigravidade. Pode-se dizer se botas antigravidade devem ser permitidas ou não, mas elas não existem.