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Trump usa protestos de coletes amarelos para ironizar Macron e atacar Acordo de Paris

'Chegaram à conclusão a que cheguei dois anos atrás', escreveu o americano sobre movimento impulsionado por imposto que aumentou preço do diesel
O presidente francês, Emmanuel Macron, posa ao lado do presidente americano, Donald Trump, na foto da cúpula do G-20 Foto: MARCOS BRINDICCI / REUTERS
O presidente francês, Emmanuel Macron, posa ao lado do presidente americano, Donald Trump, na foto da cúpula do G-20 Foto: MARCOS BRINDICCI / REUTERS

PARIS — O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ironizou o presidente da França, Emmanuel Macron, por ter recuado diante dos protestos dos chamados coletes amarelos, que entre outras demandas pediam o fim do chamado imposto carbono, uma taxa criada no ano passado para encarecer o diesel, que é mais poluente do que a gasolina, e reduzir o seu  uso. Na terça-feira, Macron acabou suspendendo por seis meses um novo aumento do imposto, que deveria ser reajustado em janeiro de 2019 e em 2020.

O chefe da Casa Branca aproveitou a instabilidade social na capital francesa para criticar o Acordo de Paris, alcançado na cidade em 2015 e no qual os países se comprometeram com metas voluntárias para reduzir as emissões dos gases causadores do aquecimento climático. Em junho de 2017, Trump retirou os Estados Unidos do acordo, que havia sido assinado por seu antecessor, Barack Obama.

"Estou feliz que meu amigo Emmanuel Macron e os manifestantes em Paris tenham chegado à conclusão a que eu cheguei dois anos atrás", escreveu o presidente americano no Twitter. "O Acordo de Paris é fatalmente defeituoso porque aumenta o custo da energia para os países responsáveis enquanto encobre alguns dos piores poluidores."

Desde a saída do Acordo de Paris, Trump continua atacando os compromissos do pacto, que, segundo ele, prejudicariam a produção de papel, ferro, aço e carvão e afetariam a economia americana. O chefe da Casa Branca duvida das conclusões científicas sobre o aumento da temperatura média do planeta devido à ação do homem e não raro as ironiza com menções equivocadas a ondas de frio.

A ironia do presidente americano reforça a rivalidade entre os dois dirigentes, que no palco global têm se colocado em posições opostas: o americano como defensor do nacionalismo e crítico do chamado "globalismo", representado pelas instituições e os acordos globais, e o francês como defensor dos organismos multilaterais e da ordem internacional criada depois da Segunda Guerra Mundial.

Macron pede calma a manifestantes

O recuo de Macron na terça-feira marcou a primeira vez em que ele voltou atrás em uma política pública relevante em um ano e meio no poder. Nesta quarta, depois que porta-vozes dos coletes amarelos chamaram as concessões do governo de "migalhas" e mantiveram a nova manifestação marcada para Paris no sábado, o presidente pediu aos partidos e sindicatos que o ajudem a acalmar os manifestantes.

— O momento que vivemos não é de oposição política. O presidente pediu às forças políticas, sindicais e patronais que lancem um chamado claro e explícito à calma — disse um porta-voz do governo, Benjamin Griveaux.

Diante da resistência dos manifestantes, o governo francês já indica também que pode voltar a cobrar o imposto sobre fortunas, cuja revogação por Macron lhe valeu o apelido de "presidente dos ricos". À rádio RTL, o porta-voz Griveaux disse que o governo poderia alterar o imposto, conhecido como ISF.

—  Se uma medida que tomamos, que custa dinheiro público, não estiver funcionando, não estiver indo bem, não somos burros, nós a mudaríamos —  disse.

Ele explicou que Macron não revogou o imposto totalmente, mas restringiu a cobrança a bens imóveis com valor superior a 1,3 milhão de euros. Antes, o imposto era cobrado sobre todos os bens, incluindo joias, iates e investimentos financeiros.

— A taxa que foi removida era para encorajar investimentos na economia real. Não foi um presente para os ricos —  argumentou o porta-voz.

A popularidade do presidente francês, que já estava em baixa, caiu a 23% com os protestos, o que o iguala ao seu antecessor socialista François Hollande, que nem sequer tentou disputar a reeleição.

O movimento dos coletes amarelos começou em novembro no interior e na periferia das grandes cidades francesas, regiões em que a população mais se locomove de carro para suas atividades diárias. Sem liderança clara e articulado pelas redes sociais, teve adesão sobretudo da classe média baixa, que ganha pouco, mas não tão pouco a ponto de se beneficiar de transferências sociais.

A reivindicação inicial era o fim do imposto carbono, mas os protestos foram engrossados pela percepção de que as medidas tributárias implementadas por Macron desde o início do seu governo, no ano passado, prejudicaram os mais pobres e favoreceram principalmente os ricos. No fim de semana, uma pauta de 42 reivindicações foi divulgada em nome do movimento, incluindo o aumento do salário mínimo e a volta do imposto sobre fortunas, abolido por Macron.

Trump x Macron, briga que rende

Trump e Macron começaram o ano em clima de "bromance", junção das palavras inglesas brother e romance . Trocaram apertos de mão afetuosos e largos sorrisos durante viagem do francês a Washington, em maio, mas a relação começou a degringolar quando o francês falhou em convencer o americano a manter os Estados Unidos no acordo nuclear com o Irã, que foi assinado pelas principais potências mundiais em 2015.

Manifestante próximo ao Arco do Triunfo, um dos principais cartões-postais de Paris Foto: ALAIN JOCARD / AFP
Manifestante próximo ao Arco do Triunfo, um dos principais cartões-postais de Paris Foto: ALAIN JOCARD / AFP

Em novembro, os líderes voltaram a se encontrar em Paris, para as comemorações dos cem anos do fim da Primeira Guerra Mundial, em tom muito menos caloroso. Trump, que tem cobrado maior contribuição dos aliados europeus à Otan, a aliança militar liderada pelos Estados Unidos, havia entrado em rota de colisão com Macron diante da defesa do francês da criação de um Exército europeu. Um dos argumentos do chefe de Estado francês foi o de que os europeus não podiam mais contar com os Estados Unidos.

Na época, Trump reagiu com outra ironia, desta vez voltada para a baixa popularidade de Macron: "O problema é que Emmanuel sofre um nível muito baixo de aprovação na França, 26%, e uma taxa de desemprego de quase 10%. Ele estava apenas tentando mudar de assunto (para o Exército europeu). A propósito, não há país mais nacionalista que a França, de população muito orgulhosa!", ressaltou Trump em novembro.