Mundo Europa

EUA, União Europeia e Reino Unido congelam bens de Putin e chanceler russo

Decisoes integram novas iniciativas dos governos ocidentais para atingir o governo russo; Rússia é suspensa do Conselho da Europa
Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, depois de uma reunião de emergência da Comissão Europeia para discutir a crise na Ucrânia Foto: JOHANNA GERON / AFP
Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, depois de uma reunião de emergência da Comissão Europeia para discutir a crise na Ucrânia Foto: JOHANNA GERON / AFP

BRUXELAS, LONDRES E WASHINGTON — Os Estados Unidos, Reino Unido e a União Europeia anunciaram nesta sexta-feira a inclusão do presidente russo, Vladimir Putin, e do seu chanceler, Sergei Lavrov, na lista de pessoas atingidas por sanções relacionadas à invasão da da Ucrânia pela Rússia. Com isso, bens de ambos nos territórios dos países envolvidos serão congelados.

— Permita-me salientar que os únicos líderes mundiais que são sancionados pela União Europeia são [Bashar] Assad, da Síria, [Alexander] Lukashenko da Bielorrússia, e agora [Vladimir] Putin da Rússia — disse Josep Borrell, o chefe da diplomacia da União Europeia, após uma reunião de ministros de Relações Exteriores do bloco que aprovou um novo pacote de sanções contra Moscou.

Otan : Aliança envia mais forças para Leste da Europa e secretário-geral diz que aliança enfrenta 'novo normal'

Horas depois, foi a vez da Casa Branca e dos governos britânico e canadense confirmaram que Putin e Lavrov também seriam atingidos pelas mesmas sanções em seus países. Os EUA incluíram também o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Valery Gerasimov, nas punições, e o Departamento do Tesouro impôs sanções contra o Fundo de Investimento Direto Russo, entidade financeira que funciona como um fundo soberano projetado para atrair capital em setores de alto crescimento.

Em resposta, a porta-voz da Chancelaria russa, Maria Zakharova, afirmou que as medidas são um “exemplo e uma demonstração da absoluta impotência” dos países que as anunciaram, e sinalizou que a porta para a diplomacia com o Ocidente pode estar se fechando.

— Sempre partimos de um diálogo, mas quando essas opções foram fechadas, uma a uma, pelos anglo-saxões, começamos a agir de forma diferente. A questão é que chegamos perto do ponto de não retorno — afirmou.

Guerra na Ucrânia: Mapas mostram avanço das tropas russas; acompanhe

Pouco impacto prático

As medidas contra as lideranças, que podem ter pouco impacto prático mas mandam uma dura mensagem ao Kremlin, foram anunciadas no mesmo dia em que a União Europeia acertou os termos de um segundo pacote de sanções contra a Rússia.

As sanções europeias visam bloquear o acesso de instituições públicas e empresários russos ao sistema financeiro internacional, mas evitam as duas medidas consideradas mais drásticas: o corte do acesso da Rússia ao sistema de transações Swift, essencial para qualquer movimentação bancária internacional, e as exportações russas de petróleo e de gás, do qual a UE é altamente dependente.

As medidas se concentram em quatro áreas: finanças, transportes, controles de exportação e política de vistos.

— Estamos atingindo agora 70% do mercado bancário russo, e também empresas controladas pelo Estado — disse Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.

Stephen Wertheim: ‘Retaliação russa a sanções pode ampliar o conflito, levando preços à estratosfera’, alerta pesquisador do Fundo Carnegie para a Paz

Von der Leyen enfatizou que as medidas vão elevar os custos de tomadas de empréstimos no exterior, impedir que empresas públicas russas sejam listadas em bolsas europeias e que os grandes bilionários não poderão abrir contas em instituições financeiras do bloco.

Diplomatas e empresários também não terão mais "acesso privilegiado" ao bloco, sugerindo um maior controle ou mesmo o veto a vistos — não foi especificado se pessoas com vistos de residência, como os próprios bilionários russos, serão atingidas.

No setor de energia, vital para a economia russa, será proibida a exportação para a Rússia de tecnologias de refino específicas para a União Europeia, tornando, segundo o texto, praticamente impossível uma atualização das refinarias russas para atender às expecificações do bloco.

Ainda haverá vetos à venda de aeronaves, peças de reposição e outros equipamentos usados por empresas aéreas russas — apesar do setor aéreo da Rússia ter aviões próprios, as grandes empresas usam, majoritariamente, aviões produzidos na Europa e EUA. Tecnologias avançadas, como as necessárias para a construção de semicondutores, também foram citadas.

— Nossa união é nossa força. O Kremlin sabe disso e deu o seu melhor para tentar nos dividir, mas ele fracassou, e conseguiu exatamente o contrário — disse Von der Leyen.

O o ministro da Economia da França, Bruno Le Maire, disse que o objetivo é “cortar todos os vínculos entre a Rússia e o sistema financeiro mundial”. As sanções europeias se somam anunciadas anteriormente pelos EUA, que atingem alguns dos principais bancos comerciais russos. Vale ressaltar , porém, que a Rússia construiu, ao longo dos últimos anos, reservas de US$ 640 bilhões e que seu fundo soberano, sancionado ontem pelos EUA, acumula US$ 175 bilhões, o suficiente para financiar setores estratégicos por algum tempo.

— Temos uma boa margem de segurança em termos de estabilidade financeira — afirmou o presidente do BC russo, Vladimir Chistyukhin.

Sanções políticas

Além das sanções europeias, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também informou nesta sexta-feira que encerrou o processo de adesão da Rússia. Com sede em Paris, a organização econômica, o chamado “clube dos ricos”, conta com 38 países membros. A negociação para Moscou entrar na OCDE, porém, já estava suspensa desde 2014, quando Putin anexou a Península da Crimeia.

"A OCDE se mantém firme em sua solidariedade com o povo ucraniano", declarou a  entidade em um comunicado, que condena "com a maior firmeza a agressão em grande escala da Rússia contra a Ucrânia".

Em uma iniciativa no campo político, o Comitê de Ministros do Conselho da Europa, uma instituição formada depois da Segunda Guerra Mundial e destinada à defesa da democracia, dos direitos humanos e da estabilidade no continente, anunciou a suspensão da Rússia, "com efeito imediato", em resposta ao "ataque armado" contra a Ucrânia. A medida não interfere na participação do país no Tribunal Europeu de Direitos Humanos que, segundo comunicado do Conselho, continuará a oferecer proteção aos cidadãos russos.

Alegações: Após invasão à Ucrânia, Putin é comparado com Hitler; especialistas divergem

As sanções desta sexta-feira, se somam a um pacote aprovado pela UE na quarta-feira, quando Vladimir Putin reconheceu a independência das autodenominadas Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk.

Este primeiro pacote aplicou medidas aos 351 deputados russos que aprovaram, no dia 15 de fevereiro, um pedido para que o Kremlin reconhecesse os territórios dos separatistas, além de outras 27 pessoas relacionadas. Os citados tiveram seus bens em instituições europeuas congelados, perderam o acesso a meios de financiamento e não poderão entrar no território europeu.

Lacunas nas sanções

Apesar do anúncio das sanções, analistas apontam que ainda é possível avançar mais nas medidas da UE, dos EUA e do Reino Unido.

Em série de publicações no Twitter, o ex-secretário do Tesouro dos EUA especializado em financiamento do terrorismo, Marshall Billingslea, listou possíveis alvos de punições, como sanções ao Banco Central russo, ampliação dos controles sobre exportações, restrição dos meios de pagamentos a exportações de óleo e gás e, a mais questionada, o corte do acesso da Rússia ao sistema de transações internacionais Swift.

Celso Lafer: 'A ideia de um cessar-fogo imediato não obedece à lógica de Putin', diz ex-chanceler brasileiro sobre guerra na Ucrânia

Muitos temem, especialmente os europeus, que essa decisão possa ter impactos em seus próprios países.

— Estamos abertos à possibilidade, mas você precisa saber o que está fazendo — disse o ministro das finanças alemão, Christian Lindner, nesta sexta-feira.

Vale ressaltar que o bloqueio já foi aplicado, por exemplo, ao Irã, e além de não impedir o desenvolvimento de atividades nucleares suspeitas e de mísseis balísticos, afetou o acesso de cidadãos a medicamentos importados e mesmo às vacinas contra a Covid-19.

"Nenhuma dessas medidas depende de acordo da UE ou Reino Unido. Elas teriam seu valor, mas não seriam essenciais. Não digo que elas, por si só, forçariam Putin a interromper sua guerra. Sanções nunca são um substituto para estratégias. Mas essas medidas representam um ataque debilitante ao governo russo", escreveu Billingslea, que também atuou, no governo Trump, como enviado especial para controle de armas e em negociações com a Coreia do Norte, talvez o país que mais tenha sanções aplicadas contra si.

Outras opções são o arresto de bens da elite russa ao redor do mundo, especialmente em Londres, e o ataque a veículos de comunicação apontados como ferramentas de propaganda do Kremlin no exterior, como a rede RT, embora ela opere principalmente em plataformas digitais. Sem contar medidas para reduzir as compras de gás e petróleo russo, uma decisão que dificilmente será tomada em conjunto por europeus , dada a dependência, hoje, do produto vindo da Federação Russa.