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Vaticano retoma julgamento de poderoso cardeal acusado de crimes financeiros em caso milionário

Angelo Becciu era o número dois da administração da Santa Sé quando foi autorizada a controvertida compra de um luxuoso edifício em Londres com recursos até da caridade
Visão geral da Praça de São Pedro, no Vaticano Foto: REMO CASILLI / REUTERS/01-10-2021
Visão geral da Praça de São Pedro, no Vaticano Foto: REMO CASILLI / REUTERS/01-10-2021

CIDADE DO VATICANO — O tribunal penal do Vaticano retomou, nesta terça-feira, o julgamento do poderoso cardeal italiano Angelo Becciu, acusado de lavagem de dinheiro, fraude e extorsão em um caso que envolveu a compra de um edifício de luxo em Londres, em 2014, quando o purpurado era responsável pela administração de um fundo milionário da Santa Sé composto por doações de fiéis.

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A audiência aconteceu em uma sala dos Museus do Vaticano, equipada para a ocasião, e contou com a presença do cardeal Becciu , número dois da Secretaria de Estado, o órgão administrativo do Vaticano, entre 2011 e 2018. Vestido com uma batina preta, o religioso de 73 anos, destituído de seu título de cardeal, permaneceu sentado em sua cadeira, já que não foi chamado para depor.

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A sessão desta terça-feira durou cerca de duas horas, em que foram discutidas as questões processuais, e continuará na quarta-feira. O tribunal tem a tarefa de determinar se a Santa Sé foi vítima de fraude por parte de um grupo de empresários inescrupulosos, ou se se tratou, na verdade, de um sistema de corrupção interna envolvendo importantes líderes da Igreja.

Outras nove pessoas serão julgadas, entre empresários e funcionários da Cúria Romana. Se forem considerados culpados, os réus poderão enfrentar vários anos de prisão por fraude, peculato, extorsão, lavagem de dinheiro e abuso de poder em um escândalo que inclui cumplicidade com espionagem, paraísos fiscais e que gerou um buraco de milhões de euros nas contas do Vaticano.

Entre os dez réus, metade estava a serviço da Secretaria de Estado e participou da controvertida compra de um luxuoso edifício em Londres, a um custo de cerca de US$ 400 milhões, em que foram usados até mesmo recursos destinados às obras de caridade pessoais do Papa Francisco, como reconheceu a Santa Sé pouco antes da abertura do julgamento.

A aquisição também foi feita a um preço superior ao seu valor real, por meio de pacotes financeiros altamente especulativos, intermediada por dois empresários italianos residentes em Londres.

O cardeal Becciu, que foi demitido de suas funções na administração do Vaticano em 2020 e teve seus direitos cardinalícios suspensos, sempre se declarou inocente — à época do surgimento das primeiras denúncias, se disse “atordoado” e com dificuldades para lidar com o que considerou ser uma “situação surreal”.

A investigação teve início com base nas denúncias apresentadas em 2019 pelo Instituto para as Obras de Religião (IOR) e pelo escritório do Auditor Geral. O julgamento estava suspenso desde 27 de julho, à pedido da defesa.

O caso representa um desafio para o Papa Francisco, ao revelar o descontrole nas finanças do Vaticano, para o qual ele teve que iniciar uma reforma interna, e de fato expor os privilégios sombrios de várias entidades da alta cúpula. Crítico ferrenho da corrupção, ele denuncia incessantemente a especulação financeira mundial desde sua eleição, há oito anos.