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'Viveremos uma transição como nunca antes na História', diz ao GLOBO estrategista democrata sobre recusa de Trump a reconhecer derrota

Juan Verde diz que partido já estava preparado para ofensiva jurídica do republicano sobre resultado, mas que situação não tem precedentes
Biden, que é católico, deixa a Igreja da São José, em Wilmington, Delaware, onde mora, na manhã deste domingo Foto: JOE RAEDLE / AFP
Biden, que é católico, deixa a Igreja da São José, em Wilmington, Delaware, onde mora, na manhã deste domingo Foto: JOE RAEDLE / AFP

A campanha de Joe Biden vem se preparando há meses para o que era, até pouco tempo, um eventual processo de litígios sobre o resultado da eleição presidencial. Hoje esse processo é uma realidade que preocupa estrategistas democratas como Juan Verde, ex-subsecretário adjunto para Europa e Eurasia do Departamento de Comércio americano no governo Barack Obama (2009-2017), sobretudo pelo impacto que terá na transição. “Viveremos uma transição como nunca antes aconteceu na História dos Estados Unidos, mas estamos confiantes no resultado final”, disse Verde em entrevista ao GLOBO.

Como imagina as próximas semanas nos EUA?

Não existe precedente para o que estamos vivendo. O período de transição é importantíssimo e sempre houve colaboração entre os dois governos, o que entra e o que sai. Nesse período são compartilhadas informações de governo, em muitos casos estratégicas, sobre segurança, entre outras questões. Foi assim entre Obama e Trump, e entre todos os presidentes da História. Nos surpreende que hoje Trump questione o mesmo sistema que o elegeu. Ele teve uma transição ordenada. Nesta segunda, começam a trabalhar as equipes da transição e existe um memorando de entendimento entre o governo Trump e a campanha de Biden. Foi assinado após a confirmação da candidatura democrata. O memorando é um acordo de intenções, que estabelece as informações que serão compartilhadas, o caminho a seguir.

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A posse, no dia 20 de janeiro, pode ser afetada?

De forma alguma. Não sabemos como será a transição e, em paralelo, seguem os processos legais, as impugnações do resultado nos estados. Cada estado tem suas regras, já  estávamos preparados para isso. Há dois meses Trump fala em fraude, temos uma equipe de especialistas em direito constitucional trabalhando. Mas, independentemente disso, as probabilidades de que Biden não seja ratificado são baixíssimas. Venho trabalhando em campanhas e governos democratas desde 1992, o processo de transição e posse é rigoroso. No dia 4 de janeiro o novo presidente será ratificado [pelo Congresso] e no dia 20 assumirá. Mesmo se os processos iniciados por Trump não forem totalmente concluídos.

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A extrema polarização poderia levar a cenários de violência social?

Espero que não. Acredito nas instituições americanas, no sentido comum da população. Esperamos uma transição pacífica, apesar de uma batalha legal dura e desnecessária. Apenas uma pessoa está tornando este processo difícil.

Qual é o ambiente na campanha de Biden?

Todos compartilham a visão otimista sobre o resultado final, mesmo tendo preocupação por todo o processo.

Biden fez um discurso de vitória conciliador, para tentar acalmar os ânimos.. .

Um discurso conciliador, uma busca de aproximação com os que não votaram nele. Ele quer governar para todos. Do outro lado está Trump, que não reconhece o resultado e ataca seu adversário falando em votos ilegais.

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O país está claramente dividido e os republicanos perderam, mas não fizeram uma má eleição. Que leitura o senhor faz do triunfo republicano no estado da Flórida?

Os latinos votaram em massa, sua participação foi recorde. A imensa maioria dos latinos votou em Biden, a Flórida foi a exceção. E mesmo na Flórida, mais de 50% dos latinos votaram em Biden. Em outros estados, neste eleitorado ganhamos com mais de 70%. Biden foi eleito graças ao voto latino em Arizona, Nevada, Michigan e Pensilvânia. O que aconteceu na Flórida nos leva a refletir, claro. refletir sobre o que nos faltou.

A campanha de desinformação dos republicamos explica o revés na Flórida?

Os republicanos sabiam que sem a Flórida não tinham chances de vencer. Era crucial para eles. Investiram recursos e tempo no estado. A campanha de desinformação e fake news foi triste e patética. Uma coisa sem pé nem cabeça. Dizem que Biden é comunista! Ele foi senador durante 40 anos, um senador de centro e moderado. Seus principais projetos de lei foram aprovados com apoio republicano.

Um absurdo total. Muitos falam sobre a muralha azul (estados do Meio-Oeste em que Biden venceu), mas Biden foi eleito graças a uma "muralha marrom". Foram esses quatro estamos e o voto latino os que definiram a eleição.

Os próximos quatro anos não serão fáceis...

Biden vai herdar um país polarizado e a chave será a reconciliação nacional. Não será fácil, mas o importante aqui é que será  muito mais fácil para ele do que para Trump. Toda a sua vida, Biden foi um conciliador, empático e promotor de coalizões. Do outro lado, temos racismo e ódio. Reconciliar os americanos será uma prioridade central do novo governo.