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Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.

Por Roberta Ferreira Severo

Novamente um atleta negro é vítima de racismo num evento esportivo. Seu algoz, desta vez, foi a torcida, mas outrora fora um adversário, alguém da comissão técnica, o presidente da entidade que organiza o campeonato. Será que esses episódios — frequentes — podem afetar as organizações e quem as patrocina onde dói mais, no bolso?

La Liga, a Liga Espanhola, é o modelo de organização entre clubes de maior sucesso no mundo. Não à toa, trazido para as mesas de reunião dos presidentes dos clubes brasileiros nas discussões para uma versão de liga nacional.

Por ser composta dos dois clubes — Real Madrid e Barcelona — que por muito tempo se revezaram como os melhores do mundo, passou a ser um produto extremamente atraente e rentável. Em pouco mais de cinco anos com representantes no Brasil, passamos a ser a maior fanbase fora da Espanha. Com milhões de consumidores apaixonados por futebol e extremamente engajados nas redes sociais, nós, brasileiros, somos público-alvo desse tipo de marca.

Entretanto esse é o mesmo público que tem se mobilizado, desde o último ataque a Vini Jr., para cobrar da Liga e de seus patrocinadores punições severas. Reposts, retuítes, postagens reproduzindo as cenas do último domingo, imagens do jogador são manifestações que se revezam entre apoio e cobrança de coerção para a Liga Espanhola nos casos de racismo, usando até as marcas patrocinadoras como pressão.

Evidentemente, os episódios sofridos pelo jogador revoltaram outros atletas, personalidades e políticos, o que resultou numa manifestação oficial do governo brasileiro. Dada a pressão mundial, o governo espanhol agiu. Mas e uma resposta veemente da Liga Espanhola?

A inércia da entidade enquanto organizadora da competição se reflete no campo de jogo, com a recusa da arbitragem em atender às regras da Fifa que versam sobre casos de discriminação. Novamente, as mais variadas manifestações provocaram a entidade que comanda o esporte no mundo a notificar a Liga Espanhola e a exigir o cumprimento de suas regras — afinal, só faixa de conscientização em jogo oficial não tem sido suficiente para coibir o racismo no futebol. Lembrando que as penas da Fifa vão de advertência e multa a desfiliação: o não reconhecimento do campeonato e de seus resultados pela entidade.

Todavia sabemos que a forma mais eficaz de “obrigar” entidades, dirigentes, árbitros e atletas é aquela que os afeta economicamente. La Liga é mais que uma entidade que organiza a primeira divisão do campeonato espanhol. É uma marca. Como tal, constrói sentimentos, valores — que a diferenciam, lhe dão credibilidade e fidelizam seus consumidores — transformados em dinheiro, o valor monetário da marca. É inegável que a marca La Liga ficou manchada e perdeu valor. Imagens do logotipo da entidade em que a bola no centro foi substituída por um capuz da Ku Klux Klan encheram as redes sociais. Isso naturalmente afeta seus consumidores.

Instados a se pronunciar por hashtags nas redes, os representantes da Puma e do Banco Santander (que dá naming rights ao campeonato) fizeram, num primeiro momento, declarações genéricas de apoio ao jogador e contra o racismo. Pressionado, o Santander anunciou anteontem a suspensão do patrocínio à Liga Espanhola. A Puma ainda não se manifestou novamente sobre o caso.

Desse caso absurdo, que há muito passou dos limites, podemos concluir que nós, apaixonados por futebol e consumidores finais das marcas que orbitam o mundo esportivo, temos o poder de constranger essas entidades a agir de forma eficaz contra a discriminação. Seja na forma de boicote, sátira ou crítica, as manifestações em massa nas redes sociais têm se mostrado uma aliada em casos de discriminação impunes.

*Roberta Ferreira Severo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo, é especialista em gestão, marketing e Direito do Esporte e assistente jurídica na K+G Cesário Pareceres e Pesquisas

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