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Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.

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Muito tem se falado sobre a adoção, no meio corporativo, de práticas ESG. Em bom português, a sigla reflete a observância, pelas empresas, de agendas voltadas a boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa. Atualmente, tais instituições assumem papel decisivo na busca por transformações sociais positivas, adequando seus negócios a um novo modelo de mundo.

Nesse contexto, a promoção de diversidade racial e de gênero no meio corporativo torna-se pauta de observância necessária, ampliando o acesso a cargos antes inacessíveis a mulheres e a pessoas negras, cujo ingresso no mercado de trabalho foi injustamente postergado. Com isso, se edifica, aos poucos, um ambiente de negócios mais apto a espelhar a realidade brasileira.

Todavia notícias envolvendo as últimas e próximas indicações presidenciais às Cortes Superiores revelam que a promoção da diversidade no setor público não tem sido tratada como prioridade. Recentemente, a irretocável trajetória profissional de Daniela Teixeira, advogada indicada por Lula ao cargo de ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi indevidamente ofuscada pela suposição midiática de que a escolha de uma mulher, nessa ocasião, decorreria do desejo presidencial de atribuir a vaga que se abrirá no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria de Rosa Weber a “um homem de confiança”.

Se tais ilações se converterem em notícias, as indicações assim motivadas devem gerar perplexidade. Embora a prática de indicar o advogado-geral da União ou o ministro da Justiça do governo a vagas no STF esteja longe de ter sido inaugurada pelo atual presidente, é inequívoco que evidencia afronta aos princípios da moralidade e da separação de Poderes, refletindo indevida expectativa, por parte do Poder Executivo, de certa subserviência da cúpula do Poder Judiciário.

Tais reflexões são corroboradas por outras notícias, acerca do desconforto do PT com os votos proferidos por Cristiano Zanin, supostamente contrários a pautas partidárias. A pressão exercida por quem indica sobre quem é indicado denota completo desrespeito à independência a ser conferida a qualquer magistrado. Como se não bastasse, o risco de indicações motivadas por interesses políticos afeta também a Procuradoria-Geral da República. Ao preterir Luiza Frischeisen, primeira mulher a ser a mais votada por seus pares ao cargo de procuradora-geral da República na lista tríplice, Jair Bolsonaro rompeu com a tradição de apontar ao cargo o candidato mais votado por integrantes do Ministério Público Federal, reproduzindo o perigoso modelo adotado por Fernando Henrique em 2001, quando reconduziu ao cargo o sétimo colocado na lista daquele ano. O risco de indicações dessa natureza é escancarado pelo apelido com que o então escolhido passou à posteridade: “engavetador-geral da República”.

Ao contrário de seus antecessores, Lula gerou na população brasileira a expectativa de conduzir um governo mais atento à diversidade quando, em ato simbólico, recebeu a faixa presidencial de cidadãos que representavam ampla diversidade de matizes, gênero ou orientação sexual. Caso a ministra Cármen Lúcia se torne a única representante do sexo feminino na mais alta Corte do país, decerto tal expectativa restará violada. Vale ressaltar que, se já é difícil para as mulheres, em geral, ocupar os postos mais elevados do Poder Judiciário, às mulheres negras, então, talvez só reste, por enquanto, citar a frase eternizada por Lula, em seu sentido mais vergonhoso: “Nunca antes na história deste país”! Se ao STF cabe a guarda da Constituição Federal, é de lamentar que a composição da Corte não seja capaz, até hoje, de refletir a igualdade de raça e gênero preconizada por nossa Lei Maior.

*Roberta Mauro é professora da Faculdade de Direito da PUC-Rio

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