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Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.

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Nos últimos anos, as universidades brasileiras têm sido palco frequente de conflitos pelo aprofundamento de direitos. Os métodos empregados nessa luta, porém, nem sempre são legítimos.

Na terça-feira 12 de setembro, uma aluna trans da Universidade Federal da Bahia (UFBA) acusou uma professora de transfobia. De acordo com a acusação, a professora se referiu à aluna trans por uma desinência de gênero masculino e em seguida tentou silenciá-la, impedindo que fizesse comentários e pedindo que se retirasse da sala de aula. No dia seguinte, a aluna protagonizou um protesto na UFBA, em que a professora foi publicamente acusada de transfobia e racismo. A acusação foi amplificada por coletivos estudantis e LGBTQIA+ e, no dia seguinte, um abaixo-assinado com mais de mil assinaturas pediu o afastamento da docente por “epistemicídio” e por cometer os crimes de transfobia e racismo.

Contudo a aula havia sido gravada, e os áudios revelam uma situação muito diferente. Nada indica ter havido má intenção da professora ao errar a desinência de gênero. A aluna, por sua vez, interrompe a aula todo o tempo, é insolente, desrespeitosa e agressiva.

Ser uma pessoa trans numa sociedade preconceituosa como a brasileira certamente é uma experiência injusta e dolorosa. Mas o preconceito e a violência precisam ser enfrentados com instrumentos adequados, como políticas de reconhecimento e inclusão. Na UFBA, três em cada quatro estudantes de graduação são negros e em situação de vulnerabilidade socioeconômica, resultado de quase 20 anos de políticas de inclusão bem-sucedidas.

Os esforços para democratizar a sociedade brasileira têm muitas vezes enveredado por “falsas rotas”, na expressão de uma filósofa feminista. Acusar alguém de transfobia por um equívoco sem dolo e mobilizar um julgamento moral sumário é uma delas.

Essa iniciativa é amparada por uma premissa iliberal, entranhada hoje nos setores progressistas, segundo a qual quaisquer acusações por parte de integrantes de minorias devem ser imediatamente transformadas em condenações morais. Nessa dimensão da opinião pública, não se ouve o contraditório, não há esforço nem interesse em apurar as situações concretas de conflito. Ora, não se faz justiça sacrificando os meios que, precisamente, levam a ela.

A forma de ação também está equivocada. A acusação pessoal buscando o constrangimento moral do acusado produz um tipo de justiça abominável, sumária, sem direito de defesa e sem proporção. Não podemos punir sumariamente antes de oferecer ao acusado o direito de defesa. E não podemos punir sem proporção, aplicando a mesma dura sentença de exclusão social e vergonha pública para um lapso sem intenção e para uma agressão física violenta. Esse tipo de justiça nos faz regredir a um estágio ainda anterior à Lei de Talião, do “olho por olho, dente por dente”.

A sociedade brasileira está numa encruzilhada cultural. Indivíduos e instituições compromissados com o aprofundamento de nossa democracia devem recusar os caminhos da demagogia, das dinâmicas de grupo e do tribalismo. É questionável que esses caminhos levem à democratização, mas é certo que levam à degradação do convívio e servem como justificativa à reação daqueles que resistem a uma sociedade mais inclusiva.

*Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas na USP, é colunista do GLOBO, Francisco Bosco é ensaísta

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