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Apesar das mudanças por que a Constituição Federal de 1988 passou ao longo dos anos, é importante lembrar que seus princípios são a base de qualquer lei que integre ou venha a integrar o texto. Esperar que a lei se aplique igualmente para todos, e que mudanças de cenário e contexto não impactem a aplicação da legislação, é um preceito importante da Constituição. É o que chamamos de segurança jurídica, garantida implicitamente em diversas partes do texto. Contradições na lei, portanto, devem ser evitadas por ser inconstitucionais e por minar a confiança sobre ela.

Num caso recente envolvendo o setor de turismo no Rio de Janeiro, essa confiança deu sinais de estar rachada. Numa disputa iniciada no meio deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) fez um pedido de paralisação das obras de uma tirolesa entre o Pão de Açúcar e o Morro da Urca, mesmo depois da aprovação de todos os órgãos competentes.

O embargo, acatado pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, não só pediu a paralisação e a indenização por parte da empresa que administra o Parque Bondinho, a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar (CCPA), como exigiu a anulação da aprovação dada pelo órgão responsável pelos patrimônios tombados do país, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Para o MPF, o Iphan — a quem foi dado o poder (e o dever) de administrar os bens protegidos no Brasil — não só deve ser ignorado em sua decisão, como também acusado de tê-la feito ilicitamente.

O projeto, iniciado em dezembro de 2020 pela CCPA, promete ser um grande ativo para o Rio, fomentando o turismo local. Recentemente, uma pesquisa do Datafolha mostrou que quase 90% dos moradores do Rio esperavam alta no setor graças à atração. Estamos falando de fomento à economia. Entretanto movimentos como o visto agora no Judiciário geram incertezas e afastam qualquer disposição a investimentos no turismo.

Com obras iniciadas em setembro de 2022, o projeto passou pelo crivo do Iphan e dos demais órgãos competentes. Como averiguou o professor titular da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Gustavo Binenbojm, o Iphan e a GEO-Rio fizeram visitas regulares às instalações desde o início de 2023.

Desde a paralisação, em junho, foram encomendados novos estudos técnicos e pareceres jurídicos. No mais recente, a GEO-Rio reforçou que as intervenções em rocha não representam risco geológico para a estrutura.

O que fazer quando, mesmo atentando à lei, o indivíduo não recebe respaldo dela? Como confiar nas decisões do Iphan a partir de agora? É ele a autarquia federal que responde pela preservação do patrimônio cultural brasileiro segundo artigo 46 da Lei 378/1937. É ele que recebe da Constituição o poder e a confiança do povo para alterações em territórios tombados. Será que o Judiciário tem mais expertise que o órgão responsável?

Não posso dizer que qualquer fenda foi aberta em vão no Pão de Açúcar. Mas uma grande foi aberta na confiança no sistema público.

*Felipe Santa Cruz, advogado, foi presidente da OAB Nacional e do Rio de Janeiro

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