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Saí do filme “Oppenheimer” com a cabeça fervilhando e mergulhei na leitura do livro homônimo. Ambos me mostraram os dilemas e as soluções daquele momento histórico. Dilemas da política e da sociedade, soluções da ciência e da tecnologia. O mundo estava em guerra, dividido entre os países nazifascistas, os comunistas e os democrático-liberais. Num primeiro momento, os dois últimos se aliaram para enfrentar o inimigo comum nazifascista. Mas logo se separaram: a guerra quente virou Guerra Fria. Nos dois casos, surgiu uma ciência da guerra.

Era o Projeto Manhattan, dirigido por um general e por assessores de Roosevelt, coordenado pelo físico Oppenheimer, a grande liderança científica. Foi talvez o primeiro grande programa científico translacional em todo o mundo, que envolveu cientistas, técnicos, engenheiros e, nesse caso, militares. A palavra de ordem era a urgência, pois havia indícios de que tanto os alemães quanto os soviéticos buscavam a mesma meta. Resultou na tragédia humana de Hiroshima e Nagasaki. Mas herdamos também os benefícios da energia nuclear da paz.

O modelo de financiar projetos multidisciplinares vingou nos Estados Unidos logo depois, com a criação da Fundação Nacional de Ciência (o CNPq de lá) e o enorme crescimento dos Institutos Nacionais de Saúde (a Fiocruz de lá). Os americanos persistiram apostando no modelo Manhattan, e essa política científica de Estado atravessou os governos seguintes, com enormes investimentos e sem grandes descontinuidades. A China e a Índia seguem atualmente o mesmo caminho.

Por aqui tivemos avanços com a criação das agências federais de apoio à ciência (CNPq, Capes, Finep), das estaduais (as fundações de amparo à pesquisa) e de um ministério exclusivo para a ciência e a tecnologia. Só que... nos últimos anos o investimento acabou patinando, e os grandes projetos Manhattan da paz que chegamos a conceber e iniciar foram definhando.

Talvez o mais importante desses projetos tenha sido a criação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). Surgiram com o nome de Institutos do Milênio em 2005, transformaram-se em INCTs em 2008 e 2014, mas foram aos poucos definhando. Eram grandes redes de pesquisa sobre temas relevantes (ambiente, saúde, energia etc.), interligando pesquisadores e suas equipes de várias instituições do país. Os resultados foram impressionantes: o site do CNPq mostra os números auspiciosos entre 2015 e 2019, quando foi feita a última avaliação sistêmica do projeto.

Depois disso, apesar de um edital em 2022 com 50 novos INCTs aprovados, cadê o dinheiro? Os repasses do CNPq minguaram, a Capes sumiu do cenário, e as bolsas para andamento dos projetos desapareceram. Os INCTs sobreviventes mantiveram-se graças ao esforço de algumas fundações estaduais. Os próprios INCTs envelheceram, pois muitos pesquisadores se aposentaram ou morreram, e não houve abertura para substituições. Além disso, os temas não foram atualizados, e as novas frentes da ciência mundial não entraram no cardápio.

Oito meses do novo governo, sem notícia de qualquer tipo de planejamento ou avaliação do programa, e o ministério permanece consertando o estrago do período anterior. Vamos combinar: é preciso mais para dizer que “a ciência voltou”. Mais ousadia, mais apostas em projetos de forte alcance, como os INCTs. Mais investimentos de grande porte, mais interações transversais com os demais ministérios. Os INCTs representam nosso Projeto Manhattan da paz, em guerra para sobreviver. A luta continua, mas, até o momento, o Brasil ainda está nas trincheiras, não venceu a guerra da ciência. Ou melhor, pela ciência.

*Roberto Lent, professor emérito da UFRJ, é pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino e coordenador do Instituto Nacional de Neurociência Translacional

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