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Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.

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Há uma meta a cumprir na guerra Israel-Hamas: a eliminação do grupo terrorista que invadiu Israel, exterminou e sequestrou civis. Ceder agora é ser passivo diante da monstruosidade perpetrada, é condescender com a barbárie.

O direito de resposta de Israel à ignomínia a que seu povo foi exposto é inegável. Não há corrente do Direito Internacional que não reconheça a legitimidade da resposta, uma vez que as fronteiras do país atacado de forma vil e selvagem estão expostas aos terroristas, que não respeitam leis ou tratados.

O direito de defesa pressupõe, no entanto, o respeito às normas internacionais que regem as relações entre os povos. Os civis devem ser protegidos tanto quanto os combatentes do Hamas devem ser alcançados. A estratégia para isso tem de ser a entrada em Gaza por terra, uma vez que o bombardeio aéreo indiscriminado daria vitória a Israel, mas à custa de muitas vidas inocentes.

A invasão por terra não será fácil; haverá muitas baixas israelenses. Israel exporá a vida de seus filhos para resguardar a vida de civis palestinos. Como isso pode ser moralmente equivalente às atrocidades perpetradas pelo Hamas?

Não se trata aqui de guerra comum, em que duas nações se enfrentam por questões econômicas e geopolíticas, mas de conflito em que há um abismo entre a bestialidade de um ataque terrorista deliberado, com grau de crueldade inimaginável, e a resposta de guerra a ele.

Ambos os eventos são traumáticos, ambos levam ao luto e ao sofrimento, mas um responde à agressão iníqua e está respaldado pelo Direito e pelas leis, outro rege uma orquestra demoníaca de vozes enfurecidas que berram contra o fim de Israel e pelo extermínio dos judeus.

Uma vez nos calamos e demoramos a retaliar. Uma vez esperamos para ver até onde o mal poderia ir. A resposta veio como a máquina infernal da SS, com seus fanáticos enfileirados; a resposta veio com os campos de concentração; a resposta foi a morte de milhões de inocentes. Milhões de judeus.

Não nos cabe agora repreender Israel pelos erros no antigo problema com os palestinos. Não cabe porque esse é um problema diplomático, que só poderá ser resolvido se houver diplomacia, algo impossível num Estado islâmico, uma teocracia onde o pensamento mundial deve se curvar à religião e aos seus fiéis.

O mundo ocidental está brincando com o risco de sua própria aniquilação. A impressão que dá é que luta nas ruas, universidades e redes sociais para ser subjugado por um poder despótico e cruel.

O movimento político-ideológico que sustenta o Hamas tem ramificações enormes, por isso a mídia ainda não se colocou formalmente ao lado de Israel, banindo de seus quadros aquele que manifeste inclinações antissemitas e favoráveis aos terroristas. Mas é imperioso que emissoras e redações condenem formal e explicitamente um discurso cujo resultado já vimos no passado.

O Holocausto foi possível porque a máquina de propaganda nazista foi eficaz, porque aquilo que há de pior na espécie humana foi catalisado por líderes por meio do imenso poder da propaganda.

Os que hoje silenciam diante do horror do atentado contra os israelenses silenciariam na terrível Noite dos Cristais; os que hoje comemoram o que consideram uma façanha do Hamas comemorariam os expurgos de Hitler. A desumanidade quando vista e não condenada abre espaço a desumanidades maiores, cada vez mais aberrantes.

Não há que negar a boa-fé e o senso de justiça dos que verdadeiramente almejam a paz entre os dois povos, mas há que considerar que, uma vez que o mal tomou o caminho deliberado de negá-la, o bem não pode silenciar e esconder-se. Trata-se de uma resposta humana, dentro da humana falibilidade.

O mundo não é o paraíso celeste de espíritos redimidos. O mundo é o que é: um lugar de lutas e aprendizados, expiações e provas, dores e resgates. É nesse quadro que devemos nos mover. E, quando a guerra começa, é preciso saber para que lado ir. O meu lado é o da civilização.

*Catarina Rochamonte, doutora em filosofia, é professora e escritora

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