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Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.

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Quando morou no Rio nos anos 1950, a poeta Elizabeth Bishop reclamava da maravilhosa paisagem onde se poderia fazer uma bela cidade. As formas naturais, resultado da geologia e da botânica, entendidas como divinas, portanto sobrenaturais, parecem criar oposição às criações culturais que surgem por meio do projeto e da técnica. O ainda pouco percebido é como o design criou a paisagem no Rio, e não o contrário.

Problemas há no tropeço nas calçadas rotas ou nas bancas de jornal fake, letreiros berrantes ou postes que trepam uns nos outros, como se buscassem a reprodução da espécie. Bishop talvez tivesse razão nos temas do dia a dia, mas não no nosso empenho histórico de desenhar a cidade.

As reações contra a tirolesa no Pão de Açúcar e a reabilitação do Jardim de Alah expressam um desequilibrado conservadorismo de bairro aliado a um progressismo desorientado, ignorantes das diferentes escalas da paisagem e intolerantes com as atualizações dos hábitos urbanos.I

mportaram o Not In My Backyard (não no meu quintal), ou Nimby, ou nimbismo, que carateriza a defesa do statu quo e a ojeriza ao diferente. Equivocadamente falam da paisagem como princípio imutável.

Fundamental lembrar que a categoria Paisagem Cultural Patrimônio da Humanidade da Unesco é o reconhecimento de como soubemos fazer intervenções na natureza ao longo do tempo. Primeiro foi o plantio do café na Floresta da Tijuca, que resultou em reflorestamento e consciência ecológica. Depois, a investigação científica com a criação do Jardim Botânico. Evoluiu para o prazer de entrar com o corpo no mar, socializando. Transformou-se em poética, celebrando a vida da urbe na mata.

Com os calçadões, criamos uma infraestrutura hedonista e saudamos o corpo. A alegria de viver ao ar livre virou inteligência. Assim, camadas de desenhos fizeram a paisagem, desenvolvendo o “saber projetar” na natureza.

O rechaço ao Monumento ao Holocausto, que causaria enorme prejuízo paisagístico, mostrou-se equivocado. Pacificamente implantado no Morro do Pasmado, somou. As orlas se atualizam para abrigar mais pessoas e seus novos modos. As escadarias para o Cristo Redentor ganharam acessibilidade. Na contramão, depois de sofrer contínuos impasses na instalação, o Istituto Europeo de Design desistiu do Cassino da Urca.

Ritos administrativos devem ser respeitados e fiscalizados, mas, quando se atacam também aqueles cuja missão institucional é salvaguardar esses bens e fazer a curadoria do que possa vir a somar, cria-se um déficit de informação com alto dano cognitivo. Quando não sabemos mais quem deve de fato saber, apequenamos o olhar, embrutecemos o design, e decisões são tomadas baseadas em litígios, quando deveriam ser unicamente um exercício da técnica integrada ao natural como ato de cultura.

Quando cristalizamos a paisagem, perdemos seu revigoramento pelo design, sobrando tão somente as bancas-letreiros e os malditos postes tortos, justificando a profecia de Bishop.

*Washington Fajardo é arquiteto e urbanista

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