Artigos
PUBLICIDADE
Artigos

Colunistas convidados escrevem para a editoria de Opinião do GLOBO.

Informações da coluna

Artigos

Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.

Por

IBGE 90 Anos’ é o nome que o presidente do IBGE deu a seu projeto de gestão. Parecia a celebração de quase um século da história de objetivo único do instituto: servir à sociedade. A palestra de Marcio Pochmann em 24 de outubro revelou não se tratar de um plano técnico para melhorar as estatísticas, e sim de ideias para mudar a relação do IBGE com a população e com a imprensa: mudar tudo isso que está aí, porque o mundo é outro. Pochmann escolheu uma frase de efeito:

— A estrutura verticalizada, hierárquica e autoritária do IBGE ficou para trás.

Não obstante, a estrutura e o estatuto do IBGE evoluíram graças a sucessivas experiências de planejamento estratégico. O presidente demonstrou desconhecê-las. Ignorou que o trabalho do IBGE, pela diversidade de temas, exige participação intensa dos técnicos no processo decisório. É, por natureza, democrático. Em todo grupo de especialistas há divergências, e não se pode fazer pesquisa com duas metodologias. A escolha de uma delas não significa autoritarismo.

Pochmann critica o fato de o IBGE basear sua produção estatística sob influência e em harmonia com os países do Ocidente. Entende que, “com o deslocamento do centro dinâmico do mundo para o Oriente”, as soluções metodológicas podem já não estar onde o IBGE se inspira. Ele citou avanços na China. Em agosto, a China suspendeu a divulgação das estatísticas do desemprego juvenil, na linha “dado ruim não se divulga”. Não é exemplo a seguir. Ademais, a China participa das discussões da comunidade internacional. Sabe que os padrões de comparabilidade são indispensáveis. Sabe que o caminho e o foro para mudanças são os mesmos que o IBGE trilha. Dois ex-presidentes do instituto presidiram as mais importantes comissões de estatística da ONU e da Organização Internacional do Trabalho.

Outra obscuridade foi o discurso do coordenador Daniel Castro. Criticou o modelo atual, a prática de o IBGE divulgar suas estatísticas por meio da imprensa em entrevistas coletivas. Disse:

— Este IBGE que vai nascer vai chegar à Dona Maria diretamente.

Ora, com as redes sociais do IBGE, todos podem acessar as estatísticas de um celular. Portanto o que se pretende é substituir a grande imprensa em sua função fundamental de transmitir os indicadores sociais e econômicos ao Brasil. Pretende-se extinguir sua função de levar o dado à “Dona Maria” de forma isenta. Na fala “morde e assopra”, a imprensa é importante, mas o modelo de divulgar em coletivas está superado.

Cabe a pergunta: qual o objetivo de Pochmann ao considerar secundário o papel da imprensa livre na divulgação dos dados do IBGE?

A resposta que se depreende é: impedir que a grande imprensa tenha acesso imediato aos dados produzidos pelo IBGE e não mais transmiti-los, em primeira mão, aos brasileiros. É não querer a vigilância dos jornalistas e as perguntas que fazem nas coletivas — uma prática nas democracias ocidentais.

Infere-se que está em curso uma mudança de índole ideológica sem debate com a sociedade. Um tipo de “ovo da serpente”, cujo produto final é o alijamento do contraditório e a limitação da atividade da imprensa livre. Depreende-se que a nova direção quer que o IBGE adote gestões sindicais e partidárias, com práticas de controle das estatísticas.

Avulta aqui o desvirtuamento essencial. O dirigente quando assume um órgão de governo implanta as diretrizes do programa vencedor das eleições. Mas, em órgãos de Estado, caso do IBGE, não é essa a regra. A responsabilidade é com o exercício da cidadania. Não cabe ao Poder Executivo mudar diretrizes em órgãos de Estado.

Em suma, Pochmann, com sua militância em partido, traz ao IBGE do século XXI o viés dos oponentes das melhores práticas do Ocidente.

*Martha Mayer, integrante da Comissão Consultiva do Censo Demográfico, foi diretora de pesquisas do IBGE (1999-2004)

Mais recente Próxima Resposta errada ao Enem