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Um presidente eleito democraticamente busca alternativas ilegais para se perpetuar no poder? A investigação da Polícia Federal, as evidências divulgadas por Alexandre de Moraes e o vídeo da reunião ministerial de julho de 2022 revelaram uma trama conhecida na América Latina. Os autogolpes são menos raros do que pensamos. Vejam-se os concretizados por Getúlio Vargas no Brasil dos anos 1930, passando por Juan Bordaberry no Uruguai, em 1973, e Alberto Fujimori no Peru, em 1992, até os mais recentes, de Nicolás Maduro na Venezuela. Notem-se, também, as tentativas frustradas de Pedro Castillo no Peru e Donald Trump nos Estados Unidos.

Em concordância com os golpes clássicos, os autogolpes envolvem o uso de meios ilegais por parte de uma ou mais agências do Estado, geralmente as Forças Armadas. Em contraste, porém, não têm o chefe do Estado como alvo, mas como autor ou motor. A confusão entre golpe, autogolpe e impeachment produz efeitos importantes sobre como percebemos as consequências e as responsabilidades.

Os golpes de Estado envolvem a deposição do chefe do governo pelo uso ilegal da força. Os impeachments, em contrapartida, são procedimentos estabelecidos pela Constituição para depor o presidente por meio do Congresso. Mas o que acontece quando um presidente decide, à revelia das regras constitucionais e com apoio das Forças Armadas, “virar a mesa” para ficar no poder? Eis o autogolpe, cuja punição varia de acordo com o nível de participação no planejamento, deliberação e execução.

No Brasil, o enredo tramado por Bolsonaro tinha duas partes: um Plano A, de autogolpe, para os meses de outubro, novembro e dezembro; e um Plano G, de golpe, para janeiro. Ambos falharam. O caso emblemático fora o do Peru em 1992. Naquela ocasião, o presidente Fujimori, com apoio das Forças Armadas, dissolveu o Congresso e o Poder Judiciário, outorgando nova Constituição e aplicando reformas neoliberais e políticas repressivas. Esse roteiro pode ter sido a inspiração de Bolsonaro — e há quem diga que poderá ser ainda inspiração de Javier Milei na Argentina.

A partir desse caso, cabem três questões. Por que Fujimori foi bem-sucedido? Por que Bolsonaro não foi? E poderá Milei ser? As respostas para cada caso requerem dois níveis de análise, doméstico e internacional.

Domesticamente, Fujimori estava dotado de mais apoio militar do que Bolsonaro tinha e do que Milei poderá vir a ter, dado que as Forças Armadas argentinas carecem de capacidade logística e vontade política para participar de operações dessa natureza. Além disso, as situações econômicas são distintas. O Brasil não tinha a inflação descontrolada em 2022, diferentemente do Peru em 1992 e da Argentina em 2024. Não existia, portanto, o componente de desespero popular que pode legitimar uma mudança ilegal de regime. O Congresso também diferia. No Brasil, o presidencialismo de coalizão continua a operar como antídoto à paralisia decisória, em contraste com a polarização peruana em 1992 e a situação hiperminoritária do governo argentino atual.

Internacionalmente, Fujimori contava com a cumplicidade americana. No caso da Argentina, o apoio internacional a Milei ainda é tímido e expectante. No caso do Brasil, as mensagens explícitas do governo americano aos militares brasileiros para aceitarem o processo eleitoral e reconhecerem o resultado foram cruciais para esvaziar o apoio das Forças Armadas e das elites econômicas à aventura autogolpista de Bolsonaro.

A conjuntura brasileira teria sido distinta se Donald Trump tivesse ficado na Casa Branca. Tendo encorajado o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Congresso dos Estados Unidos, ele ainda servia como modelo, mas enquanto ex-presidente, já não como protetor. Quiçá os democratas argentinos devam enfrentar o cenário reverso a partir do próximo ano.

*Andrés Malamud é pesquisador principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Júlio C Rodriguez é professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria

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