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O governo federal lançou em janeiro sua Nova Política Industrial (NPI), tentativa de estancar o que considera ser uma desindustrialização. Em praticamente todas as economias há forças que, ao longo do tempo, levam à perda de densidade da agricultura diante da indústria e desta em relação aos serviços, tanto pela diferença no ritmo de crescimento da produtividade dos setores quanto pela mudança nos padrões de consumo. Hoje vivemos numa economia dominantemente de serviços. Mas, nos últimos 30 anos, o que chama a atenção é a relativa estabilidade da participação da indústria de transformação e dos serviços no PIB. Entre 1995 e 2023, a indústria pouco encolheu (14,5% para 13,5% do PIB, tendo atingido a menor participação, 10,3% em 2014 e 2019); a participação dos serviços ficou estável (58,1% a 58,2% do PIB); e a agropecuária se modernizou e ganhou espaço em anos recentes (5% para 7,1% do PIB). A economia amadureceu, e não se enxerga sua desindustrialização.

Se o objetivo da NPI, contudo, é reverter um processo mais longínquo de perda de densidade da indústria de transformação, o desafio é de outra ordem. Pois vive-se a insegurança jurídica de decisões incompreensíveis à luz do Direito; elevada carga regulatória, quando não sua imprevisibilidade; barreiras aos fluxos de comércio, ideias e pessoas; infraestrutura muito aquém das necessidades das empresas (e dos trabalhadores e de suas famílias); e educação técnica inconsistente com as demandas da indústria e distante dos pares (9% de matrículas em cursos vocacionais e técnicos, ante média de 38% nos países da OCDE).

Nesse ambiente, o esforço de muitas empresas é limitado. Pouquíssimas inovam na fronteira (e se projetam globalmente), apesar de o país fazer ciência de fronteira (medido pelo impacto em citações dos artigos científicos dos pesquisadores que aqui trabalham). Como pouco se inova, pouco se patenteia (0,18% do total mundial em 2022 por residentes, menos de um décimo da participação da economia brasileira no PIB global).

Não cabe aqui recapitular as críticas divulgadas à NPI ou as defesas, por vezes hiperbólicas. Um exame detido do documento publicado pelo governo leva a uma constatação: o objeto da política industrial é amplo, difuso, e suas metas são definidas com pouco rigor, pois “aspiracionais”. Dando o benefício da dúvida, nos próximos meses se esclarecerá melhor o que são as “missões” e como funcionarão para serem algo além de figura de retórica, há dois problemas inescapáveis: primeiro, a ênfase no financiamento como deus ex machina da política industrial; segundo, o retorno ao protecionismo como forma de induzir o crescimento da indústria.

Mas a questão subjacente é mais grave: com que diagnóstico se opera? Onde exatamente reside o problema da baixa produtividade do trabalho, do limitado esforço inovador e da inserção ainda incipiente no mercado internacional? Onde está dito que é por falta de financiamento? Ou proteção? Ampliar as margens de preferências em compras públicas ou reforçar normas de conteúdo local é o caminho? Não foi o que trilhamos em passado recente, com resultados pífios e custo enorme para a sociedade? Como definir uma política industrial sem uma análise rigorosa das causas que levam a ineficiências na produção, possivelmente por problemas de escala, acesso limitado a insumos em bases competitivas e gente qualificada? Ou das dificuldades para transferir tecnologia e inovar, que com toda a probabilidade não se resumem a acesso a crédito — subsidiado ou não?

É natural que se queiram conhecer os estudos que justificam destinar cerca de R$ 300 bilhões para operar a política. Qualquer política pública necessita ser desenhada com base em evidência; qualquer programa de maior complexidade como a NPI necessita, por sua vez, passar no teste da governança — como exatamente será governado, planejado, coordenado, fiscalizado e avaliado? Até o momento, não há respostas críveis a essas questões.

*Cláudio Frischtak é economista

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