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Em 27 de fevereiro, o TSE adotou uma série de resoluções que deverão reger as eleições de 2024, entre as quais a de número 23.732 sobre propaganda eleitoral, que regulamenta, entre outros temas, o uso da inteligência artificial como propaganda política, os chatbots e, é claro, as fake news. Foi a norma que mais recebeu sugestões da sociedade civil e já nasceu envolta em polêmica. Em 2023, o Congresso Nacional havia rejeitado o PL 2.630 porque os seus termos seriam vagos o bastante para permitir censura ou controle da informação por parte do governo, e, agora, os partidos da oposição veem o retorno de seus temores nessa resolução. Afinal, quem tem medo de fake news?

Até recentemente, o Direito brasileiro era contrário a toda forma de censura. E ainda parece ser, pois a Constituição proclama a liberdade de manifestação do pensamento, vedando apenas o anonimato. Em verdade, o anonimato não é a única limitação; proíbem-se também a injúria, a calúnia e a difamação, além de propaganda política nazista e do racismo. Essa legislação pressupõe uma distinção nítida entre as esferas pública e privada. Em casa e entre seus amigos, a pessoa poderia expressar qualquer tipo de ideia ou preferência que quisesse, mas, em público, não deveria fomentar discurso de ódio racista ou nazista, nem ofender as pessoas com palavras de baixo calão ou histórias inverídicas.

Essa distinção entre público e privado importa porque, em casa, as pessoas têm o direito de ser grosseiras e incivilizadas, mas, se quiserem influir nos destinos da comunidade, há certas regras do jogo democrático que precisam observar. O controle do discurso se dá por meio de um mecanismo repressivo: a opinião é, em princípio, permitida, mas, se houver abuso, poderão ocorrer um processo judicial e uma condenação.

Esse era o Direito antes da internet. As redes sociais embaralharam a diferença entre público e privado, e qualquer pessoa se tornou potencialmente um canal de notícias. Os governos temem que as big techs possam apoiar candidatos da oposição. As big techs, por sua vez, não querem se responsabilizar por nada, nem mesmo por danos à privacidade dos seus usuários. E temos as fake news. Ninguém gosta de mentiras, e as mentiras, na era digital, podem assumir proporções gigantescas. O TSE teme que isso possa influenciar as eleições. Então, propõe, nessa resolução, mais proatividade. Diante de uma fake news, as plataformas digitais devem “adotar providências imediatas e eficazes para fazer cessar o impulsionamento, a monetização e o acesso ao conteúdo”, antes mesmo da “notificação da autoridade judicial”. Os provedores digitais terão a responsabilidade legal de agir de forma preventiva e deverão retirar o conteúdo ilícito e cortar a remuneração das pessoas naturais e jurídicas que o tiverem veiculado.

Todavia o que seria fake news? A norma fala em “fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados”. Essas expressões não são tão claras quanto parecem. Até os anos 1980, ninguém acreditava que o cigarro pudesse fazer mal à saúde. Historiadores sabem que um mesmo evento pode comportar diversos contextos. As diferentes concepções ideológicas constituem prova de que destilar a verdade dos fatos políticos pode levar a várias respostas. Sem uma definição prévia, é necessário que alguém — um burocrata, seja ele um juiz do TSE ou, agora, um empregado de uma big tech (e ambos não são neutros ideologicamente) — decida, no caso concreto, se o discurso é falso ou não. Isso é poder demais para uma só pessoa.

Mentir é um terrível defeito moral. Porém ter a pretensão de saber a verdade e querer tutelá-la é ainda pior.

*Paulo Emílio Borges de Macedo é professor da Uerj e sócio do SMBM Advogados

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