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GERADO EM: 13/08/2024 - 12:52

Cultura do estupro em conflitos: urgência por igualdade

A cultura do estupro persiste em contextos de guerra e sociedade, evidenciada pelos atos do Hamas em Israel e Gaza. Relatórios alarmantes da ONU revelam aumento de 50% em casos de estupro entre guerras. A luta por igualdade de gênero é crucial, enfrentando a raiz do problema patriarcal. A necessidade de mudança de mentalidade é urgente, enquanto a sociedade continua a culpar e subjugar vítimas. A busca por justiça e igualdade é essencial, apesar dos obstáculos enfrentados.

Desde os ataques do Hamas em 7 de outubro do ano passado, a cultura do estupro passou, dia após dia, a ser normalizada. Essa prática acontece aos olhos de todos e reflete a estrutura patriarcal constituída ao longo dos séculos, em que a mulher era vista como objeto de desejo, pertencente ao homem e sem direitos. Apesar de muita coisa ter mudado ao longo das últimas décadas, o machismo estrutural ainda é muito presente.

Num posicionamento recente, a ONU se recusou a incluir o grupo terrorista Hamas na lista de organizações acusadas de cometer atos de violência sexual, ainda que tenha divulgado um relatório com resultado alarmante. Mais de 3.600 casos de estupro registrados entre guerras em 2023: um salto de mais de 50% na comparação anual. O documento abrange ocorrências no Sudão, Ucrânia, Haiti, Mianmar, República Democrática do Congo, Israel e Gaza.

O estudo foi claro, por meio do levantamento de provas, evidências e perícias feitas por órgãos competentes, ao corroborar que os integrantes do Hamas estupraram mulheres e crianças em Israel e seguem fazendo isso nos túneis subterrâneos de Gaza. A estratégia do grupo terrorista foi contundente: invadir o território inimigo e objetificar as mulheres, vivas ou mortas, para desmoralizar o inimigo.

Relatos de ex-reféns reforçam a dimensão desse cenário. Neste momento, há ainda mulheres e meninas em cativeiro, cujos depoimentos sinalizam os mecanismos de estupro e outros abusos físicos constantes. Qualquer pessoa que se veja diante de experiências como essa, mesmo não estando no epicentro da guerra, também se sentirá violentada. É inadmissível saber que a ONU Mulheres e a Cruz Vermelha estão inoperantes em relação a esse tema.

Mas a cultura do estupro não é questão apenas de guerra. Vale relembrar algumas ocorrências recentes, como a que envolveu o jogador Daniel Alves — ele desembolsou € 1 milhão para se livrar da prisão e da culpa de ter estuprado uma mulher. Outro ídolo do futebol, Robinho, foi preso depois que áudios evidenciando sua participação num estupro coletivo foram divulgados.

Brasil, Irã, África, Estados Unidos ou Israel. Em qualquer lugar do mundo, a mulher sempre perde quando precisa se defender de algo indefensável, como um estupro. Ela é imediatamente subjugada e culpabilizada e tem de dispensar um esforço hercúleo para provar sua inocência, que, em grande parte, é desacreditada pela sociedade. Por aqui, o estupro representou quase 70 mil ocorrências em 2022 — e esses são apenas dados oficiais. Uma em cada cinco mulheres entrevistadas para a pesquisa disse sentir risco médio ou alto de ser vítima de agressão sexual.

A mulher, machucada por dentro e por fora, é criticada pela sociedade e pelas autoridades, em todas as suas esferas. Se ela é independente ou dependente; se ela anda com roupas curtas ou compridas; se ela ingere bebida alcoólica ou não; se ela exerce um cargo de líder numa empresa; há sempre um porém. E como mulher judia, o que dizer? Nosso sofrimento não é reconhecido, como se tivéssemos de passar por tragédias humilhantes ao longo de nossa história. Me too, exceto se for judia.

A sociedade está doente. Não vejo avanços e mudança de mentalidade tão cedo sobre conseguirmos alcançar uma igualdade entre homens e mulheres enquanto seres humanos, com os mesmos direitos e deveres, no curto e médio prazo. A luta ainda é muito embrionária, apesar dos avanços já obtidos. A cultura patriarcal precisa acabar, mas, para isso, é preciso atuar na raiz do problema. Essa é nossa busca.

*Patricia Levy é coordenadora e idealizadora do programa Acolhimento da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp), que atua no enfrentamento da violência doméstica contra mulheres e jovens

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