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Colunistas convidados escrevem para a editoria de Opinião do GLOBO.

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A recente alteração da meta fiscal representa um revés para o arcabouço aprovado há menos de um ano e, essencialmente, um reconhecimento por parte do governo de que não haverá ajuste fiscal neste mandato. Infelizmente, o Brasil tem se mostrado um país propenso ao descumprimento de regras fiscais, com mudanças frequentes nos últimos anos.

Entre 1999 e 2014, o Brasil manteve uma política fiscal baseada na geração de superávits primários que assegurassem a sustentabilidade da dívida pública, base do tripé de estabilidade macroeconômica. Durante grande parte desse período, os superávits primários se mantiveram acima de 3% do PIB. Contudo, a partir de 2014, houve inversão dessa tendência, que culminou com o aumento da dívida bruta do governo geral para cerca de 70% do PIB em 2016.

Nesse contexto, o governo Temer implementou uma regra rigorosa por meio da PEC do teto dos gastos, que limitava o crescimento das despesas à taxa de inflação. Essa medida visava a garantir a sustentabilidade fiscal por um período de 20 anos, mas não perdurou. Com a pandemia, a dívida encerrou 2020 em 89,3% do PIB, devido à deterioração fiscal e à significativa queda do PIB. Contudo, até dezembro de 2022, a dívida já retornara ao patamar de 70%, influenciada pela Lei Complementar 173/2020, que proibiu reajustes salariais para o funcionalismo em todos os níveis e a contratação de pessoal durante o período pandêmico. Em 2022, a PEC da Transição revogou a regra do teto dos gastos e anunciou a criação de um novo regime fiscal. Em 2023, foi aprovado o novo arcabouço, que basicamente vinculou o crescimento das despesas ao aumento das receitas.

A revisão das metas fiscais, em vez de manter os esforços para atender aos limites estabelecidos para 2024 e 2025, tem ampliado o ceticismo dos mercados financeiros. Frequentemente, diante da incerteza ou da hesitação das forças políticas internas em adotar medidas fiscais rigorosas, o governo recorre ao crescimento do PIB como panaceia. No entanto, na ausência de estímulos externos que efetivamente impulsionem esse crescimento, surgem riscos imediatos.

A recente reprecificação de ativos, como juros de longo prazo, dólar e Bolsa, reflete não apenas a expectativa de juros elevados no cenário internacional por período prolongado, mas também a percepção de deterioração do quadro fiscal brasileiro. Dada a independência formal do Banco Central do Brasil e sua meta de inflação fixada em 3% ao ano, que deverá ser alcançada independentemente das políticas fiscais expansionistas, vislumbra-se o risco de uma política monetária mais restritiva, com impactos negativos sobre o emprego e a renda.

Um cenário ainda mais preocupante é aquele em que uma mudança no processo decisório do Comitê de Política Monetária (Copom) poderia levar à relutância em implementar aumentos de juros quando necessário. Esse comportamento poderia refletir a priorização de objetivos de curto prazo, em detrimento do foco no controle da inflação. Tal hesitação em ajustar a política monetária, alinhando-a indevidamente à política fiscal, intensificaria os custos para alcançar a estabilidade econômica futura. Com a tragédia recente no Rio Grande do Sul e a necessidade de gastos emergenciais para a reconstrução do estado, os desafios se tornam ainda maiores. Esses riscos não podem ser negligenciados, pois tais dinâmicas são capazes de conduzir o país a um novo período de desequilíbrios e incertezas, que finalmente resultariam em desemprego e altas taxas de juros.

*Reginaldo Nogueira é diretor sênior do Ibmec, e Alex Ferreira é professor associado na USP de Ribeirão Preto

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