Foi no início da década de 1960 que Alberto Luiz Coimbra se deu conta da importância da pesquisa científica e do modelo de “dedicação exclusiva”, a exemplo do que ocorria nos Estados Unidos no período da Guerra Fria, quando os cursos de engenharia iniciaram uma fase de mudanças, de forma a não serem meramente formação de mão de obra para o mercado.
Nessa ocasião, Coimbra criou a Coppe, instituto de pós-graduação em engenharia da UFRJ, que ganhou seu nome e que hoje dirijo. A Coppe/UFRJ se tornou um dos maiores centros de pesquisa e tecnologia da América Latina. Esse modelo inovador — centrado em pesquisa de qualidade e com professores em horário integral e dedicação exclusiva — teve enorme importância no desenvolvimento tecnológico do país. Tanto que, no momento em que o Brasil decidiu liderar a tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, o setor de pesquisa e tecnologia respondeu com sucesso a essa empreitada e atualmente é referência mundial.
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Por mais paradoxal que possa parecer hoje, o setor de petróleo, um dos motores da economia do século XX, foi, e ainda é, um celeiro de inovação tecnológica para o século XXI. Vêm desse setor nossos avanços em robótica, novos materiais, integridade estrutural, sensoriamento remoto e automação, entre diversos outros exemplos.
O conhecimento vem se tornando cada vez mais sofisticado e valorizado, e as inovações tecnológicas e o soft power são os principais vetores para a economia deste século. Relatórios da ONU mostram que o mercado das tecnologias emergentes deverá chegar a US$ 3,3 trilhões no fim desta década. Dados da Agência Internacional de Energia afirmam que cerca de 45% das tecnologias-chaves para a tão esperada transição energética ainda não existem comercialmente, o que sinaliza o enorme potencial à frente.
![Capa do audio - Pedro Doria - Vida Digital CBN](https://s2-oglobo.glbimg.com/HxL_9XbnyZGrdq7ztg7exfYCX8g=/108x108/https://estaticos.globoradio.globo.com/fotos/2020/03/ec4a35e3-f96b-4871-8fe7-0195d55231be.png.300x300_q90_box-0%2C0%2C3000%2C3000_detail_upscale.jpg)
Enquanto isso, assistimos a um número crescente de recém-formados sem colocação no mercado, e o país fica no 49º lugar no índice global de inovação feito pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual, que analisou indicadores de 132 nações. Cursos de graduação são abertos, sem que haja nenhuma preocupação com sua sustentabilidade. O que se vê são universidades públicas sem verba, formando um contingente alto de profissionais que não encontram colocação em suas áreas, enquanto o país precisa urgentemente de capital humano qualificado. De acordo com o relatório “Brasil: mestres e doutores 2024”, lançado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, é grave a situação do país diante da crescente necessidade de mão de obra altamente especializada para responder aos desafios deste século.
De posse de todos esses fatos, parece óbvia a necessidade de, assim como percebeu Coimbra na década de 1960, ter um modelo adequado ao momento atual do mundo e do país. Usando o refrão da música, como cantam Chitãozinho e Xororó, será que ficaremos negando as aparências, disfarçando as evidências, continuando a achar que nossos problemas se resumem à falta de verbas, e não à urgente necessidade de rever a importância relativa dos cursos de graduação e pós-graduação de maneira a apoiar estrategicamente aqueles que são e serão relevantes para nossa sociedade e nosso desenvolvimento?
*Suzana Kahn é diretora da Coppe/UFRJ