Artigos
PUBLICIDADE
Artigos

Colunistas convidados escrevem para a editoria de Opinião do GLOBO.

Informações da coluna

Artigos

Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.

Por

RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 20/06/2024 - 00:03

Projeto de Lei de Cotas no Serviço Público

Projeto de lei de cotas para pessoas negras no serviço público visa ampliar reserva de vagas, incluindo indígenas e quilombolas. Apoio do governo e da sociedade civil é crucial para aprovação do PL 1.958/2021. Ação afirmativa é essencial para combater a discriminação racial no Brasil.

No dia 9 de junho, a Lei 12.990/2014 — que instituiu a reserva de vagas para pessoas negras em cargos da administração pública federal — completou dez anos. Diferentemente da lei 12.711/2012, que estabeleceu a reserva de vagas nas instituições federais de ensino, a lei das cotas no serviço público foi aprovada com vigência restrita a uma década. Hoje, esta que é a principal ação afirmativa para pessoas negras no mercado de trabalho já feita no Brasil está ancorada numa decisão do STF: até que o Congresso decida sobre o assunto, ela continua em vigor.

De modo geral, as ações afirmativas são pensadas como medidas com um prazo determinado, para que os seus resultados sejam monitorados. Entretanto, a reserva de 20% de vagas para candidatos negros sofreu com a falta de concursos e de monitoramento e avaliação nos seus anos de implementação.

No início de 2023, o governo federal estabeleceu um grupo de trabalho para aperfeiçoar a Lei de Cotas. O Ministério da Igualdade Racial apresentou à sociedade civil os aperfeiçoamentos construídos, com ampliação do percentual da reserva de vagas de 20% para 30%, a inclusão de indígenas e quilombolas entre os beneficiários, além da aplicação da lei a processos seletivos simplificados. As alterações sugeridas foram incorporadas ao Projeto de Lei 1.958/2021, de autoria do Senador Paulo Paim, que já tramitava no Senado.

Apesar de ser anunciado como prioritário para o governo e contar com o apoio da Frente Parlamentar Mista Antirracista e da Bancada Negra da Câmara dos Deputados, o PL 1.958/2021 não foi aprovado a tempo de garantir da renovação da lei. Mas o que aconteceu há dez anos que não se repetiu neste momento?

Em primeiro lugar, o PL de Cotas foi apresentado pelo Poder Executivo ao Congresso, e seu anúncio à sociedade foi feito pela então presidente Dilma Rousseff, na abertura da 3ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir). Espaço privilegiado de formulação de políticas públicas que foi antecedido por discussões temáticas em nível municipal e regional, a 3ª Conapir mobilizou milhares de militantes, ativistas, servidores públicos, autoridades e especialistas. Com esse movimento articulado pela ministra Luiza Bairros, a Conferência se constituiu rapidamente numa coalizão de defesa da democratização do serviço público de norte a sul do país, fortalecendo o processo de tramitação.

Em segundo lugar, havia uma intensa articulação entre o governo federal e a sociedade civil, alimentada pelo debate do Estatuto da Igualdade Racial — cuja tramitação durou dez anos — e pela defesa da constitucionalidade das cotas no ensino superior federal. Com apoio decisivo do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), foram realizadas audiências públicas, reuniões e um conjunto de ações in loco no Congresso em defesa das cotas.

Em terceiro lugar, o Congresso era diferente. Outrora escamoteada, a ideia de que a cor da pele não é uma questão que determina o acesso a oportunidades e direitos tem avançado no Parlamento, a despeito dos indicadores sociais informarem a persistência da discriminação racial em todas as fases da vida de mais da metade da população.

O trâmite de um projeto de lei é complexo, e demanda negociações, articulações, escuta e formação de consensos. Enfim, uma atuação ativa dos seus principais interessados, mesmo diante do cenário adverso que temos hoje. Num país que recorrentemente nega os efeitos do racismo nas condições de vida de sua população e que ainda possui carreiras públicas monocromáticas, aprovar o PL 1.958/2021 é fundamental.

As lições de uma década atrás ainda podem ser impulsionadas. É possível falar da questão racial mobilizando nossos valores compartilhados, aquilo que nos define enquanto povo brasileiro. Para tanto, é importante que os movimentos negros e o governo federal se unam nesse esforço.

*Clara Marinho é conselheira da República.org e doutoranda em administração pública e governo pela Fundação Getulio Vargas

Mais recente Próxima O Brasil de volta ao mundo