As chuvas no Rio Grande do Sul levaram 14,2 trilhões de litros de água para o Lago Guaíba, segundo o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O volume de água equivale a quase metade do reservatório da Usina de Itaipu. Choveu água e também choveram fake news.
A velocidade e a quantidade de informações na internet fazem com que desastres ambientais, como o vivido no Rio Grande do Sul, sejam acompanhados por desastres informacionais. O termo descreve as consequências no ecossistema da comunicação de eventos de grande comoção, como catástrofes ambientais, guerras ou ataques a escolas.
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Em desastres informacionais, a demanda por informações cresce. A população está ávida por notícias e, nesse momento, os jornalistas precisam de ainda mais tempo para verificar informações de qualidade e esclarecer os boatos.
Há obstáculos físicos, como a dificuldade de chegar ao local em caso de desastres ambientais. No Rio Grande do Sul, a sede do tradicional Correio do Povo foi invadida pelas águas. Muitos repórteres gaúchos ficaram momentaneamente impedidos ou com grande dificuldade, mesmo emocional, de trabalhar. Entrevistar pessoas, reunir documentação e confirmar detalhes com múltiplas fontes pode levar dias ou até semanas. Esse é um tempo que o público, ansioso por notícias, não está disposto a esperar.
Atores mal-intencionados tiram proveito desse cenário pelas mais distintas motivações. Há desde aqueles que buscam espalhar notícias falsas para caçar cliques e curtidas em busca de dinheiro ou projeção própria até aqueles que atuam para manipular a opinião pública. Isso faz com que as notícias apuradas e embasadas por profissionais fiquem perdidas em meio às informações enganosas.
![Capa do audio - Malu Gaspar - Conversa de Bastidor](https://s2-oglobo.glbimg.com/QoWjXrQrX9LHaQmzpuB-P-p1gEo=/108x108/https://estaticos.globoradio.globo.com/fotos/2024/01/72c71d5d-7452-4236-bc90-827c61efe5db.jpeg.300x300_q90_box-0%2C0%2C1080%2C1080_detail_upscale.jpg)
O resultado é perverso, pois a cacofonia ensurdecedora impede a boa compreensão dos fatos em momentos decisivos. Vale lembrar que, numa tragédia climática, as orientações de segurança, abrigos, canais de socorro, formas de evitar doenças, vacinas etc. podem salvar vidas. E o inverso pode matar.
Outro componente dos desastres informacionais é a maior vulnerabilidade da população às fake news. O ser humano, quando tomado por emoções fortes, não é capaz de fazer boa avaliação. Com senso crítico falho, fica muito mais difícil discernir informações qualificadas e confiáveis de conteúdos enganosos ou descontextualizados.
Entender os desastres informacionais é fundamental para que governos e o Congresso formulem políticas públicas que nos protejam. Algumas lições são claras: a comunicação pública precisa se preparar melhor para enviar informações precisas e confiáveis à população; o jornalismo local deve ser apoiado, já que é crucial para proteger a população dos vácuos informacionais que surgem em grandes tragédias; e ações de educação midiática devem ser intensificadas para que mais pessoas possam fazer uma leitura crítica do noticiário e das redes sociais.
São muitas frentes urgentes. A má notícia é que, com a inevitabilidade do aprofundamento da crise climática, não temos tempo a perder.
*Clara Becker é jornalista e cofundadora do Redes Cordiais, ONG de educação midiática