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GERADO EM: 17/07/2024 - 00:07

Estratégia de Macron e ameaças antidemocráticas

O artigo destaca a estratégia de Macron contra o extremismo, apontando resultados paradoxais nas eleições francesas. Aborda também a situação política nos EUA e no Brasil, alertando para a necessidade de combater ameaças antidemocráticas. A popularidade do radicalismo evidencia a complexidade da defesa da democracia. Lula e Bolsonaro são figuras-chave nesse cenário político. O texto questiona se a normalização do extremismo é consequência de sua aceitação.

Graduada por analistas numa escala que ia do “arriscada” ao “camicase”, a iniciativa de Emmanuel Macron de antecipar eleições legislativas pode não ter dado o resultado imaginado por ele. É inegável, porém, ter arrefecido o crescimento da ultradireita descrito como motivo de “pânico” na França e na Europa. Com seu grupo reduzido em mais de 80 cadeiras e a vitória da esquerda, levando a um impasse político no país, há alguma ironia num cenário em que o presidente francês deteve o extremismo, mas foi barrado pela polarização.

Seu principal recado era a reedição do “cordão sanitário” contra os radicais, efeito logrado com o alto comparecimento às urnas e com a aliança entre centro-direita e esquerda no segundo turno. Seria ingênuo descartar a profecia de Marine Le Pen sobre um mero adiamento da ascensão de seu projeto ao poder central, objetivo para o qual a suavização cosmética do discurso xenófobo é atalho. Mas a tacada de Macron tem méritos a ser observados por outros países onde se identifica esse neopopulismo como ameaça à democracia. Será que estão sendo?

As duas maiores democracias do outro lado do Atlântico sofreram recentes tentativas de golpes de Estado, o que não houve na França. A eleição americana foi marcada até sábado pela insistência de Joe Biden na reeleição, apesar das demonstrações de não ter condições para novo mandato. Desprendimento e altruísmo são, por definição, virtudes complexas (ou fáceis demais) de cobrar do outro, e é verdade que o all in de Macron não exigiu o sacrifício que Biden é pressionado a fazer. Nem o presidente dos Estados Unidos, contudo, tem o poder de escolher as próprias circunstâncias, e a eventual derrota será vista como resultado direto da relutância em desistir.

Para dificultar, o atentado contra Trump tem potencial de atingir a imagem-discurso de Biden. Sua principal plataforma é ser o que o rival não é: um político normal, não radical. Seria difícil para o republicano elaborar um argumento tão forte contra as acusações de extremismo quanto ter sido, ele próprio, a vítima do ato mais extremo ocorrido na campanha.

No Brasil, onde a distância para as eleições pode reduzir a sensação de gravidade, minimizar o risco antidemocrático é um erro para Lula, para a oposição não bolsonarista e para as instituições. O STF tem obrigação de não transigir na responsabilização do golpismo. E deveria se preocupar em não alimentar a chama antissistema indo a eventos como fóruns internacionais onde é difícil explicar a relação pouco litúrgica com setores interessados em suas decisões.

A esquerda torce o nariz para análises segundo as quais a eleição de Lula foi garantida pela frente ampla do segundo turno, uma vez que os candidatos mais ao centro haviam tido poucos votos. Pode ser, mas convém não superestimar a pequena margem da vitória em 2022.

— Quem está na Presidência só perde eleição se for incompetente — disse Lula em junho, num não raro rompante de autossuficiência.

Em 2026, não deve haver Bolsonaro, mas também estará distante a pandemia e sua trágica condução pela extrema direita brasileira, esta sim fator decisivo para a volta do petista ao Planalto.

Na outra mão, a direita tradicional não poderá, por óbvio, ser condenada a aderir de antemão ao candidato da situação apenas porque a polarização está cristalizada entre Lula e Bolsonaro. Mas será irresponsável se o ponto de partida na busca de um opositor não for o compromisso real com a democracia. Boa parte dos políticos já embarcou no oportunismo atrás dos votos bolsonaristas nas eleições municipais.

Em meio a tudo isso, na França, nos Estados Unidos e no Brasil, há um detalhe inconveniente da realidade: a expressiva popularidade do radicalismo. A defesa da democracia tem baixa adesão na sociedade. A corrente reedição de um “dilema Tostines” — o extremismo tem muito voto porque foi normalizado ou foi normalizado porque tem muito voto? — alimenta debates, mas a chave pode estar mais em como proceder para “desnormalizá-lo”.

*Miguel Caballero é editor do impresso do GLOBO

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