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A opinião do GLOBO

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Por Editorial

Está na pauta do STF o julgamento da ação questionando a constitucionalidade do artigo da Lei Antidrogas que criminaliza o porte para consumo pessoal. Uma demonstração da dificuldade para tratar de questão tão relevante é que ele se arrasta há oito anos. Espera-se que desta vez os ministros concluam a votação, determinando que portar pequenas quantidades de entorpecentes não é crime.

O caso analisado envolve um detento condenado por ter sido flagrado com apenas 3 gramas de maconha na prisão. A ação foi movida pela Defensoria Pública de São Paulo, para quem o artigo viola os princípios constitucionais de intimidade, vida privada, honra e autodeterminação. Pela legislação em vigor, é crime “adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”, não importando a quantidade. É uma formulação absurda, já que mesmo quem usa maconha com fins medicinais viola essa lei.

Até o processo ser retomado, apenas três ministros haviam votado. O relator, Gilmar Mendes, defendeu a inconstitucionalidade do artigo e disse que a tese vale não apenas para a maconha, mas para qualquer entorpecente. Luís Roberto Barroso e Edson Fachin concordaram quanto à inconstitucionalidade, restrita à maconha. Inspirado em Portugal, Barroso propôs o limite de 25 gramas para distinguir uso pessoal de tráfico. Fachin entendeu que a regra deve ser fixada pelo Congresso.

A falta de parâmetro para diferenciar o usuário do traficante é o maior problema da Lei Antidrogas. Na prática, qualquer cidadão flagrado com pequena quantidade para uso pessoal está sujeito a ser preso, tanto quanto o bandido que vive do tráfico. A aplicação da lei depende de critérios subjetivos e dos humores do policial de plantão ou do juiz. A consequência mais desastrosa é a explosão da população carcerária, inflada pela prisão de usuários de drogas que, por falhas da lei, são tratados como traficantes e lançados em presídios superlotados, onde dividem celas com homicidas, estupradores ou pedófilos.

A Lei Antidrogas, que pretendia reduzir o encarceramento, teve efeito contrário. Em 2005, antes de ela entrar em vigor, havia 300 mil detentos. Hoje há perto de 800 mil — dez vezes o crescimento populacional no período. A lei não é a única responsável, mas durante sua vigência dobrou o percentual de presos por crimes relacionados a entorpecentes (de 14% para 28% do total). A guerra contra as drogas não deu certo. O tráfico continua a cometer crimes dentro dos próprios presídios.

A rigor, caberia ao Congresso corrigir distorções na lei. Mas o Parlamento tem sido omisso, e a superpopulação carcerária é problema urgente. Por isso o Supremo deve arbitrar a questão. “Não adianta só o STF descriminalizar o uso de drogas”, diz o advogado Pierpaolo Bottini, professor de Direito Penal na USP . “É preciso fixar uma quantidade objetiva que diferencie quem é usuário de quem é traficante.” Com o limite de 25 gramas para maconha e 10 gramas para cocaína, 27% das penas seriam revistas, estima um estudo do Ipea.

Há oito anos a discussão se arrasta, e os presídios ficam mais e mais abarrotados. Dominados por facções criminosas, viraram problema de segurança pública, quando deveriam ser solução. O uso de drogas deve ser tratado como questão de saúde pública, não de polícia. Esta deve ocupar-se apenas de quem tira proveito dele, os traficantes.

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