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A opinião do GLOBO.

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Depois de duas décadas de declínio, os golpes de Estado voltam a assombrar a África, reforçando o movimento global que o cientista político Larry Diamond batizou de “recessão democrática”. No caso africano, em vez de autocratas minarem a democracia por dentro, como na Hungria ou na Venezuela, estão de volta golpes militares clássicos, com tomada do poder à força.

No Níger, em fins de julho, militares, a maioria em uniformes camuflados, anunciaram em rede nacional de TV a deposição do presidente Mohamed Bazoum. O líder dos golpistas declarou agir em razão da situação cada vez pior na área da segurança e da má gestão do governo. No final de agosto, também pela TV e usando figurino idêntico, militares no Gabão afirmaram intervir na condução do país porque “o método da eleição não tinha sido bom”. Desde 2020, houve oito golpes nas regiões central e ocidental da África. Além de Níger e Gabão, a lista inclui Chade, Guiné (um cada), Burkina Faso e Mali (dois cada).

Para angariar apoio popular, parte dos golpistas explora o sentimento contrário à França, ex-poder colonial ainda com presença militar na região. A estratégia tem funcionado. Mas a influência francesa, em declínio, não pode ser responsabilizada pela falta de avanços na economia, na educação e na saúde. Pesquisas de opinião mostram a confiança dos africanos na democracia como melhor sistema. Na prática, contudo, poucos países do continente são realmente democráticos. Os que são não têm cumprido as promessas de desenvolvimento e melhoria das condições de vida.

No ano passado, apenas 7% dos africanos viviam em países considerados livres pela Freedom House, ONG que classifica regimes políticos. O grupo reunia Gana, Namíbia, Botsuana e África do Sul. Em lugares como Quênia, Nigéria, Malauí, Senegal e Zâmbia, há eleições, e os perdedores costumam aceitar os resultados quando perdem. Mas, em vários países, líderes aprenderam a usá-las para se perpetuar no poder. Mudanças constitucionais permitem reeleições em série. Paul Biya, o presidente dos Camarões, está no poder desde 1982. Yoweri Museveni, de Uganda, chegou à Presidência em 1986. Ali Bongo, afastado pelo golpe no Gabão, é de família que comandou o país por cinco décadas.

Na área social, houve melhorias na última década. A proporção de famílias com renda ou consumo abaixo de US$ 1,9 por dia caiu de 40% em 2010 para 34% em 2018. A fatia na faixa abaixo de US$ 3 saiu de 63% para 59%. Embora positivas, as conquistas foram tímidas diante dos desafios. Infelizmente, a pandemia fez tudo retroceder. A África (sem contar a região Norte) foi a região do mundo onde o impacto do coronavírus na pobreza foi mais agudo. Apenas em 2020, 31 milhões entraram no grupo dos miseráveis. A crise social dos últimos três anos está entre as causas do apoio popular aos golpistas. É ilusão achar que os atuais homens em uniformes camuflados resolverão os problemas. Antes deles, muitos outros fizeram as mesmas promessas.

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