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A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul e a sucessão de desastres naturais que tem fustigado as cidades brasileiras nos últimos anos, amplificada pelas mudanças climáticas, deveriam levar a sociedade — em especial a classe política — a refletir sobre os modelos de ocupação equivocados e as políticas habitacionais erráticas que têm contribuído para agravar os efeitos de eventos climáticos extremos inexoráveis.

O Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) informou no ano passado, com base em dados antigos do IBGE, que 8,3 milhões de brasileiros viviam em áreas suscetíveis a enchentes ou deslizamentos. Estima-se que esse número já ultrapasse 10 milhões. Pelo menos 2,5 milhões se concentram em locais de “alto risco” e “muita vulnerabilidade”. Em Salvador, 45,5% da população vive em áreas de risco. Em Belo Horizonte, 16,4%. No Recife, 13,4%.

A ocupação das cidades se consolida ao longo de décadas, ou séculos, adensando algumas áreas, esvaziando outras, ocupando terrenos que jamais deveriam ser ocupados. A leniência dos governos permitiu que encostas e margens de rios fossem tomadas por moradias precárias, erguidas sem cuidado técnico, em áreas altamente vulneráveis a deslizamentos e enchentes. Mas não só a cidade consolidada expõe as populações a tragédias climáticas. Políticas públicas equivocadas, caso do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), trazem prejuízo ambiental ao favorecer a ocupação de áreas de risco nas periferias, perpetuando um modelo insustentável de urbanização.

Quando era prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, hoje ministro da Fazenda, construiu um conjunto de prédios do MCMV numa área de mananciais às margens da Represa Billings, Zona Sul da capital paulista. O projeto controverso, de 193 prédios e 3.860 apartamentos, foi criticado por ambientalistas e chegou a ser embargado pela Justiça a pedido do MP. Depois, no terreno antes usado como área de lazer no Parque dos Búfalos, foi construído o condomínio, que continua lá.

Norteada pela busca de terrenos baratos para construção maciça de moradias, o MCMV por vezes abriga famílias em áreas suscetíveis a enchentes. Em Queimados, na Baixada Fluminense, um condomínio do MCMV construído para vítimas da chuva foi invadido pelas águas e pela lama em 2013. Em 2016, um conjunto habitacional em Maricá (RJ) foi inundado numa tempestade, e os moradores precisaram ser resgatados pelos bombeiros.

Para o arquiteto e urbanista Washington Fajardo, o MCMV é um programa de estímulo à construção civil mais que de habitação social. E torna difícil aos prefeitos colocar em prática políticas mais resilientes às mudanças climáticas. A lógica do programa, diz Fajardo, é buscar terrenos nas periferias, não importando se a área está preparada. Baseia-se na ideia errada de que as cidades devem se expandir para se desenvolver, mesmo quando isso significa mais asfalto (e mais impermeabilização), menos árvores (e mais calor) e menos infraestrutura (e mais violência). “Há um sério problema de mentalidade, compreensão e tomada de decisão sobre como a urbanização deveria buscar urgentemente a sustentabilidade e adaptação”, afirma. Reocupar zonas centrais esvaziadas, como tem se tentado fazer no Rio e em São Paulo, deveria ser a prioridade.

Fenômenos climáticos extremos estão cada vez mais frequentes e intensos. As cidades, tal como foram concebidas, se mostram despreparadas para enfrentá-los. Há, é certo, medidas de mitigação que precisam ser tomadas. Mas, paralelamente, o modelo de ocupação do espaço urbano e as políticas para construção de moradias precisam ser discutidos à luz dos desafios atuais.

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