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Não pode prosperar a manobra que ganha terreno na Câmara para acabar com as delações premiadas feitas por réus presos. Num movimento surpreendente, deputados tiraram do baú um projeto apresentado em 2016 pelo então deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), hoje secretário nacional do Consumidor.

Na época, quando as delações premiadas da Operação Lava-Jato causavam estrago nas fileiras petistas, e os acordos com empreiteiros presos ameaçavam o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT demonizava as colaborações e queria invalidá-las. Agora, o objetivo implícito da manobra, promovida por expoentes da oposição e do Centrão, é beneficiar o maior rival petista: o ex-presidente Jair Bolsonaro, exposto pela delação de seu ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid. Quem era a favor antes agora é contra, e quem era contra antes agora é a favor. A iniciativa sempre foi descabida.

A despeito das conveniências políticas de quem quer que seja, não há motivo para acabar com delações premiadas de réus presos, ainda mais de forma açodada. Nos últimos anos, esse tipo de colaboração tem sido um instrumento importante para o esclarecimento de crimes complexos. O projeto de Damous propõe que as delações sejam homologadas apenas quando o réu estiver em liberdade; que nenhuma denúncia tenha como fundamento apenas as declarações do delator; e que a divulgação de depoimentos de delatores seja punida com prisão e multa.

Proibir a divulgação de depoimentos é uma restrição sem sentido à liberdade de informação. E, evidentemente, delações de réus presos não servem como provas por si sós, como reafirmou o Supremo Tribunal Federal (STF). Elas são ponto de partida para que se acrescentem novos elementos à apuração. Precisam ser confrontadas com outras informações resultantes de investigação independente. Mas o fato de alguém estar preso no momento da delação em nada invalida o que tiver a dizer. A questão deve ser analisada do ponto de vista técnico, e não político.

O projeto não fazia sentido antes, como continua não fazendo agora. Surpreende que, engavetado há oito anos depois de rejeitado pela Comissão de Segurança Pública da Câmara, ele tenha ganhado força agora. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pautou para a próxima semana a votação de um requerimento de urgência para acelerar a tramitação do texto. Caso seja aprovado, o projeto irá a plenário, sem o necessário debate sobre o tema.

A manobra não afeta o processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que tornou Bolsonaro inelegível, mas as declarações de Cid à polícia alimentaram investigações sobre o envolvimento dele em tramas golpistas, apropriação de presentes dados por autoridades estrangeiras e falsificação de certificados de vacinação. A tramitação de tudo isso entraria em xeque caso delações de presos fossem anuladas.

A proposta poderia ter implicações também na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, que ganhou tração depois da delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa. Há dúvidas se, caso aprovada, valeria para delações já homologadas. Em casos do tipo, a Justiça tem decidido que leis retroagem quando beneficiam os réus ou condenados. Não parece coincidência que a manobra tenha conquistado simpatia de tantos parlamentares de todas as inclinações ideológicas.

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