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A opinião do GLOBO.

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As comemorações dos 30 anos do Plano Real, celebrados nesta semana, fazem jus ao feito histórico. A nova moeda acabou com a hiperinflação crônica, chaga que punia os mais pobres e provocava todo tipo de transtorno na vida de empresas e cidadãos. O principal legado do Real foi ter demonstrado que, quando unem determinação e propósito, os brasileiros têm o poder de resolver questões à primeira vista intratáveis. É com esse mesmo espírito em mente que o país precisa agora encarar um novo ciclo de reformas econômicas. O inimigo a bater desta vez não é mais a inflação, mas o crescimento medíocre da economia, responsável pela miséria renitente. Tal agenda deve ser encarada com a mesma garra. Se fosse possível resumi-la numa frase: o Brasil precisa confiar nos empreendedores e apostar no aumento da competição.

A história do agronegócio demonstra que o vigor empresarial brasileiro é capaz de enfrentar todo tipo de concorrente. Sem proteção tarifária, os empresários do campo adotaram as melhores práticas de plantio e gestão, investiram em tecnologia, exploraram nossas vantagens comparativas, prosperaram e criaram um dínamo de crescimento para o Brasil. Os fatores decisivos que o Estado propiciou para o sucesso não foram os programas de financiamento nem vantagens tributárias, mas o apoio à pesquisa científica, por meio da Embrapa. A revolução do interior não foi concebida num escritório na Esplanada dos Ministérios, na sede de uma estatal ou no BNDES. Como costuma dizer o ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida — um dos artífices do Real —, a melhor receita para o êxito do Brasil está na experiência do setor agrícola, com a abertura maior da economia e menos intervenção estatal.

Ganhos de produtividade com a exposição à concorrência externa não são teóricos. Nos países com baixa competição, como o Brasil, as empresas não têm incentivo para investir em inovação. Se um artigo pode ser produzido como sempre foi e vendido caro, não há razão para apostar em melhorias. É por isso que a proteção de mercado resulta na perda de investimentos. O Brasil aplica em inovação o mesmo que países com renda per capita similar. Se as condições atuais forem mantidas, pouco mudará. A experiência dos últimos governos do PT mostra que não serão linhas de crédito facilitadas por bancos estatais que transformarão essa realidade. A desindustrialização precoce não será resolvida à base de subsídios. A solução é aumentar a concorrência para que os segmentos mais capazes se desenvolvam e prosperem. Nenhum país escapou da armadilha de crescimento baixo com renda média sem se integrar à economia global.

Aumentar a competitividade da economia brasileira tem uma dimensão local. A reforma tributária, atualmente em regulamentação no Congresso, terá papel crucial nisso. O sistema atual de impostos incentiva a má alocação de recursos, a guerra fiscal entre estados, mantendo no mercado empresas ineficientes graças ao acesso a benesses. Isso inibe os investimentos. Edmar Bacha, principal negociador do Plano Real junto ao Congresso, ressalta que a ação mais urgente hoje é salvar a reforma tributária dos lobbies que querem entrar nas listas de taxação zero. “É preciso enorme esforço político para evitar que a reforma seja desfigurada. Querem colocar até filé-mignon na cesta básica”, afirma.

Quanto maior o número de produtos isentos, maior será a alíquota básica paga por todos. E a isenção não terá os resultados alegados. A experiência internacional demonstra que os produtores beneficiados com renúncia fiscal não costumam repassar a vantagem aos consumidores. Está em curso em Brasília uma corrida não para ajudar os mais pobres, mas para capturar o Estado, com o único objetivo de obter privilégios. Bacha ressalta que a estratégia mais eficiente neste caso para cuidar da baixa renda é o sistema de cashback, que devolve dinheiro diretamente a quem precisa.

Para aumentar a competição entre as empresas, o papel do Estado é intransferível. Quanto mais eficiente for, mais facilitará a vida de estudantes, trabalhadores e empreendedores. Por isso uma reforma administrativa deve ser outra prioridade. Os funcionários públicos correspondem a 5,6% da população brasileira, abaixo da média da OCDE, mas consomem 13% do PIB, mais que Portugal ou Espanha. Isso ocorre porque uma elite formada por juízes, procuradores, militares e outras categorias se recusa a abrir mão de privilégios que não existem em nenhuma outra parte — enquanto o grosso do funcionalismo trabalha em condições insatisfatórias.

Mesmo sendo uma estrutura cara, o Estado não entrega serviços na qualidade necessária. No Brasil, apenas 51% se dizem satisfeitos com a escola, percentual superior apenas a Venezuela e Haiti no continente. Na saúde, menos ainda: 33%. De modo geral, o serviço público peca pela falta de avaliações objetivas e periódicas e se destaca por carreiras fragmentadas e confusas. Nas áreas mais influentes do funcionalismo, servidores ganham mais, mesmo tendo competências e atribuições similares. Passou da hora de o Estado deixar de ser um peso e se transformar em facilitador.

Ao mesmo tempo que é preciso avançar na pauta de reformas, o país não pode descuidar das conquistas realizadas. O tripé macroeconômico consagrado com a experiência do Plano Real prevê metas de inflação, taxa de câmbio flutuante e superávit nas contas públicas. A falta da devida atenção à crise fiscal é a moléstia mais aguda de que sofremos neste momento — não é outro o motivo da disparada do dólar. Não pode ser menosprezada. O governo aprovou reajustes do salário mínimo acima da inflação, ciente dos reflexos no rombo da Previdência. A mudança da indexação de benefícios acelerou a necessidade de nova reforma previdenciária. Atrelar os gastos com saúde e educação ao aumento da receita é outra medida com apelo popular, mas contraproducente, por comprimir todos os demais gastos do governo, da infraestrutura aos investimentos para combater os efeitos das mudanças climáticas.

Sem o ajuste fiscal, a dívida pública continuará aumentando. O brasileiro precisa e merece educação, saúde e segurança muito melhores. A crise fiscal mostra que não há dinheiro para tudo, portanto é preciso uma gestão eficiente do setor público. Esse desafio ocupa hoje na agenda brasileira o mesmo lugar da hiperinflação na época do Real.

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