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Já se sabia que, durante o governo Jair Bolsonaro, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) monitorou autoridades e cidadãos clandestinamente. A operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) nesta semana trouxe indícios de que esse esquema de espionagem era mais abrangente e nefasto, mantendo relação estreita com um grupo que funcionava dentro do Palácio do Planalto para disseminar desinformação e atacar instituições republicanas, autoridades e adversários políticos, alcunhado “gabinete do ódio”.

Entre os elementos elencados na investigação da PF está o uso, pela Abin, do software espião First Mile para monitoramento ilegal em massa, revelado no ano passado pelo GLOBO. Esse programa permite invadir a privacidade, sem autorização judicial, e acompanhar a localização de qualquer um a partir do número de celular. Estima-se que tenha sido acionado 30 mil vezes.

Entre as autoridades vigiadas, diz a PF, estavam os ministros do STF Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Luiz Fux; os deputados Arthur Lira e Rodrigo Maia, presidente e ex-presidente da Câmara; os senadores Omar Aziz e Renan Calheiros, presidente e relator da CPI da Covid; o ex-governador de São Paulo João Doria, desafeto de Bolsonaro; além servidores do Ibama, auditores da Receita Federal e jornalistas.

O documento afirma que os ataques não eram dirigidos somente a ministros do STF, mas também a seus familiares. Num áudio em poder da PF, Bolsonaro, o então diretor da Abin Alexandre Ramagem (deputado federal e pré-candidato à prefeitura do Rio) e o então chefe do GSI Augusto Heleno conversam sobre uma investigação contra Flávio Bolsonaro. Segundo a PF, no áudio gravado pelo próprio Ramagem, eles discutiram medidas contra os auditores da Receita responsáveis pelo relatório de inteligência que gerou o inquérito sobre suspeitas de “rachadinhas”. O objetivo, dizem as investigações, era levantar “podres” e relações políticas dos auditores. O inquérito contra Flávio acabou arquivado pela Justiça.

Na rede subterrânea descrita pela PF, as informações obtidas ilegalmente pela Abin paralela eram usadas para gerar dossiês falsos e abastecer os assessores que operavam o “gabinete do ódio”. O senador Alessandro Vieira, um dos mais atuantes na CPI da Covid, também foi monitorado e virou alvo depois de tentar convocar o vereador Carlos Bolsonaro para depor e de pedir a quebra de seus sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático. Diálogos obtidos pela PF mostram integrantes do “gabinete do ódio” combinando os ataques.

É preocupante que, segundo a PF, a organização criminosa não tenha sido “totalmente neutralizada”, pois nem todos os seus integrantes foram identificados. A operação expõe não só um aparato montado ilegalmente para espionar cidadãos, mas também a captura de uma instituição pública para uso político e pessoal. Espera-se que, com base nos indícios levantados, as investigações sejam aprofundadas com celeridade e que todos os que agiram à margem da lei respondam por seus atos. Tão importante quanto puni-los é impedir que instituições de Estado sejam sequestradas por quem está no poder. É a sociedade que deve vigiar seus governantes, não contrário.

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