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No final de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que as emendas ao Orçamento conhecidas pela sigla RP9 — ou “emendas do relator” — eram inconstitucionais. Sustentáculos do orçamento secreto, elas pecavam pela falta de transparência ao omitir o parlamentar responsável por destinar a verba. Os ministros da Corte entenderam que isso feria a Constituição. Na época, a então presidente do STF, Rosa Weber, declarou que o pagamento das emendas de relator era “recoberto por um manto de névoas”. De lá para cá, as RP9s acabaram, mas o nevoeiro não se dissipou. Só mudou de lugar.

Há dois anos, as emendas de comissão, indicadas por colegiados temáticos do Congresso e identificadas pela sigla RP8, somavam R$ 474 milhões. No Orçamento deste ano, são R$ 15 bilhões. Repetindo a prática anterior, não revelam quem destina as verbas. Em decisão recente, o ministro do STF Flávio Dino impôs uma audiência de conciliação entre Executivo e Legislativo para esclarecer a prática. “Não importa a embalagem ou o rótulo (RP2, RP8, ‘emendas Pix’ etc.). A mera mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como inconstitucional pelo STF”, disse.

A fatia do Orçamento nas mãos dos congressistas brasileiros — da ordem de R$ 50 bilhões — é uma anomalia. Parlamento de nenhum país chega perto, por boas razões. Destinar verbas é tarefa do Executivo. Quando interesses paroquiais são usados como bússola, invariavelmente há desperdício. Regiões com padrinhos poderosos acabam com um pedaço desproporcional do dinheiro, enquanto outras mais necessitadas ficam à míngua.

Os exemplos são eloquentes. O Ministério da Saúde, revelou reportagem do GLOBO, reservou neste ano R$ 5,7 bilhões em emendas de comissão. Desse total, R$ 444 milhões irão para Alagoas, valor semelhante ao destinado a Minas Gerais, com sete vezes mais habitantes. Os alagoanos estão no topo do ranking per capita de emendas na Saúde, com R$ 142. Num distante segundo lugar, aparece o Piauí, com R$ 78.

Os defensores dessa distorção gostam de lembrar que o estado é o segundo pior colocado em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Curioso que o Maranhão, último no ranking, receberá menos da metade do valor per capita destinado a Alagoas (R$ 66). O argumento do IDH é falacioso, por não destacar o nível de cobertura médica. Em leitos do SUS por 100 mil habitantes, Alagoas está em melhor situação que Sergipe, Amazonas, Pará, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo, revelam dados do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde. Em médicos por 100 mil habitantes, fica à frente de Bahia, Ceará, Piauí, Amapá, Roraima, Acre, Amazonas, Pará e Maranhão.

“Temos acompanhado uma série de levantamentos em que o gasto parece atrelado ao interesse eleitoreiro”, diz Juliana Sakai, diretora executiva da Transparência Brasil. “Trata-se mais de conseguir um quinhão para ajudar algum grupo e se promover eleitoralmente que de atender às necessidades do cidadão.” Com recursos escassos, as emendas de comissão são um descalabro orçamentário comparável às do relator. Pelos mesmos motivos: valores altos, falta de transparência e de critérios técnicos. Cidades com conexões políticas recebem acima do razoável, enquanto milhões seguem na penúria.

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