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A nota da Executiva Nacional do PT sobre a eleição na Venezuela, se não for rechaçada publicamente, abala as credenciais democráticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto divulgado na segunda-feira reconhece Nicolás Maduro como presidente eleito e descreve o pleito de domingo como uma “jornada democrática e soberana”. Nenhuma menção às irregularidades em série durante todo o processo eleitoral nem à repressão pelas Forças do regime e milícias aos protestos pacíficos contra a fraude. A nota contraria a posição de democracias ao redor do mundo, inclusive a do próprio governo brasileiro.

Lula e o PT têm laços com os governantes da Venezuela desde os tempos de Hugo Chávez e, ao longo dos anos, não faltaram palavras de apoio. Após uma contestada eleição para uma Assembleia Constituinte em 2017, Lula pediu uma salva de palmas ao pleito. Em 2019, rechaçou a pressão internacional sobre o país vizinho: “Cada um que se meta na sua vida, e deixem o povo da Venezuela [eleger] democraticamente seus dirigentes”. De volta ao Planalto, recebeu Maduro em Brasília afirmando haver uma narrativa autoritária sendo construída sobre ele. Em seguida, disse haver mais eleições na Venezuela que no Brasil e defendeu a ideia de que o conceito de democracia é relativo. Não é.

Como sabem os venezuelanos presos por suas posições políticas, os impedidos de concorrer em eleições e os milhões de eleitores que se sentem novamente roubados após uma contagem de votos, os significados de democracia e eleições livres não são elásticos. Assim como a gravidade, não mudam dependendo do país, algo que o PT parece resistir a aceitar.

Em menos de um ano, essa é a segunda vez que eleições feitas por líderes autocratas são elogiadas. Em março, o secretário de Relações Exteriores do partido exaltou a vitória do russo Vladimir Putin como “feito histórico”. Nada sobre os candidatos da oposição russa impedidos de participar, nem sobre Alexei Navalny, morto numa prisão perto do Círculo Ártico. Descrições fantasiosas como essa parecem sair da literatura, de um mundo orwelliano, não da realidade.

A nota da Executiva do PT sobre a Venezuela foi divulgada num momento em que Lula parecia se distanciar do apoio incondicional ao regime chavista. Na semana passada, o presidente se disse assustado com as declarações de Maduro de que, se perdesse as eleições, haveria um banho de sangue. Após a contagem de votos suspeita, o Itamaraty não reconheceu a vitória e disse aguardar a publicação dos dados desagregados da votação. Na manhã desta terça-feira, Lula, antes de conversar com o presidente americano Joe Biden, errou ao minimizar a crise em entrevista à TV Centro América.

O negacionismo democrático demonstrado pela nota do PT destoa do discurso empregado pelo partido para descrever a conjuntura brasileira. Aqui, diz enxergar ameaças ao Estado Democrático de Direito. Embora a carreira de Lula na vida pública brasileira não permita acusações de autoritarismo, a contradição entre as visões externa e interna é uma aberração e precisa ser reparada. Além de ser um dos principais valores dos brasileiros, a defesa da democracia reforça a posição do país no plano internacional.

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