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Em março de 2023, quando o Ministério de Portos e Aeroportos anunciou a intenção de criar um programa de passagens de avião por até R$ 200, o plano parecia sem sentido. Depois de um ano e quatro meses, o Voa Brasil foi lançado na quarta-feira e, apesar do tempo investido em estudos e negociações, não mudou em nada a primeira impressão. Não é papel do Ministério de Portos e Aeroportos intermediar a venda de passagens de companhias aéreas privadas, assim como seria inaceitável que o Ministério dos Transportes atuasse em feirões de automóveis ou o de Desenvolvimento em liquidações de refrigeradores e batedeiras. Preocupado em agradar à classe média descontente com a alta dos bilhetes de avião, mais uma vez o governo apelou ao populismo.

Na primeira fase do programa, os 23 milhões de aposentados do INSS que não tenham viajado de avião nos últimos 12 meses poderão comprar dois bilhetes por ano. Uma segunda etapa deverá ser lançada no primeiro semestre de 2025, para estudantes de instituições de ensino público. Num país com tantas carências, o governo decidiu dedicar tempo e esforços a um objetivo duvidoso:“fomentar a inclusão social da aviação civil”. O ministério fala em atingir 1,5 milhão de brasileiros que nunca andaram de avião, mas as chances de sucesso são ínfimas. Dado que não há limite de renda para participar, o mais provável é as camadas mais abastadas entre os aposentados serem as principais beneficiadas.

À primeira vista, a argumentação do governo é sedutora. A ociosidade das aeronaves no Brasil foi de 20% entre janeiro e junho, prejudicando as companhias aéreas. Do outro lado, há consumidores ávidos por viajar de avião, sem condições de pagar passagem. Na prévia da inflação de julho, o destaque negativo foi justamente o setor de transportes, com alta de 19,21% nos bilhetes aéreos. Então, supôs o governo, por que não promover o casamento entre oferta e demanda, criando um portal estatal para vender passagens baratas?

A ciência econômica documenta bem as falhas de mercado, situações em que a atuação de empresas privadas é incapaz de resolver certos problemas, e se faz necessária a intervenção estatal. É o caso da regulação de indústrias para evitar danos ambientais ou das regras para lançar novos medicamentos. Mas criar uma plataforma para vender passagens aéreas não se enquadra nos critérios que definem o papel do Estado. Por um motivo simples. As companhias já dispõem de um instrumento poderoso para equilibrar oferta e demanda: o preço. Com promoções, conseguem gerenciar a ociosidade. Há diversos portais vendendo passagens baratas na internet. O controle de preços pelo governo significa apenas impor prejuízos às aéreas e deteriorar ainda mais um negócio que já não anda bem.

O Ministério de Portos e Aeroportos faz questão de ressaltar que o Voa Brasil não envolve subsídio do governo. Ainda bem. Seria mais um escândalo em tempos de crise fiscal aguda e necessidade de cortes de gastos. Afirma ainda que a adesão das companhias é voluntária, sem meta na oferta de passagens. Esse último ponto consta na minuta que regulamenta o Voa Brasil, mas deve ser lido com cautela. Quando um ministério lança um programa caro ao presidente da República, a pressão para que as empresas do setor participem é considerável. Ainda mais às vésperas do anúncio de um pacote de ajuda do governo às companhias aéreas.

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