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A vitória avassaladora do Partido Trabalhista nas eleições britânicas traz lições não apenas para o Reino Unido, mas para Europa, Brasil e um mundo atônito com o avanço da direita de feições nacionalistas e populistas. O novo primeiro-ministro, Keir Starmer, um social-democrata clássico, comandará uma maioria com um controle do Parlamento comparável à avalanche Tony Blair em 1997.

A primeira lição é que, mesmo numa época em que vicejam figuras histriônicas como Donald Trump ou o britânico Boris Johnson, um político de perfil mais pragmático que carismático ainda tem chance de vencer — e de vencer bem. Nada mais distante do discurso histérico das redes sociais que a serenidade acanhada de Starmer.

Filho de uma enfermeira e um operário, Starmer se tornou um advogado de sucesso na luta por direitos humanos. Foi procurador-geral e só entrou na política aos 52 anos. É um trabalhista tradicional, preocupado com qualidade dos serviços públicos e proteções sociais. No Parlamento, destacou-se pela objetividade e habilidade na negociação e pelo desapego a ideologias na busca por resultados. Se há uma queixa em relação a Starmer, é justamente a falta de norte ideológico definido. Por isso agrada a diversos públicos.

A segunda lição está na campanha com mote vago — “mudança” —, mas foco concreto nas preocupações da população, e não em slogans ideológicos ou guerras culturais. O discurso de Starmer fala em recuperar o sistema de saúde, conter a inflação e outras questões práticas. Não em resgatar glórias perdidas do Império Britânico. Ao assumir o partido depois da gestão desastrosa de Jeremy Corbyn, ele promoveu uma limpeza das alas radicais. O movimento ao centro surtiu resultado, e os trabalhistas colheram vitórias em distritos que haviam perdido para os conservadores. A guinada do eleitorado mostra o êxito dessa fórmula para romper a polarização.

A terceira lição é que o populismo cobra seu preço. O objetivo implícito de Starmer é reparar as mazelas trazidas pelo Brexit, embora ele tenha evitado o tema na campanha. Depois de 14 anos no poder e de cinco primeiros-ministros, os conservadores deixaram esse legado inequívoco de retrocesso. Não havia como as promessas desvairadas de Boris Johnson — “comer o bolo e ao mesmo tempo guardá-lo” — virarem realidade. Políticas sem lastro nos fatos cedo ou tarde são desmascaradas. Se o Reino Unido foi o primeiro a embarcar na fantasia nacional-populista, desta vez as urnas transmitiram um recado nítido de arrependimento.

Por fim, uma última lição é que o nacional-populismo continua vivo. Ainda que o desempenho da ultradireita tenha ficado aquém do esperado (quatro cadeiras), dividiu o voto de direita e contribuiu para a derrota conservadora em vários distritos. Graças à divisão, mesmo com 24% dos votos, os conservadores levaram 19% das cadeiras. Beneficiados pelo sistema em que vence o mais votado no distrito, os trabalhistas, com 34% da votação— alta modesta ante 32% em 2019 — , conquistaram mais de 63% das cadeiras.

A comparação entre Starmer e Blair é inevitável, mas o novo primeiro-ministro herda um país mais complexo e desafiador. Tudo considerado, é preciso celebrar que, em desafio aos versos catastrofistas do irlandês William Butler Yeats frequentemente citados para descrever a política contemporânea, desta vez “o centro se segurou”.

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