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A Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu na semana passada um alerta mundial sobre a elevação dos mares, atualmente no ritmo mais alto dos últimos três milênios. Entre 1901 e 1971, os oceanos subiram 13 milímetros por ano. De 2014 para cá, a média anual foi de 48 milímetros. As áreas costeiras suscetíveis à subida do nível do mar respondem por 14% do PIB global e concentram parte considerável da infraestrutura e da herança cultural do planeta. “Em todo o mundo, cerca de 1 bilhão de pessoas vivem em zonas costeiras ameaçadas pela expansão dos nossos oceanos. No entanto, embora alguma subida do nível do mar seja inevitável, sua escala, ritmo e impacto não são. Isso depende de nossas decisões”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres.

Duas cidades brasileiras são citadas como exemplo no relatório “Mares em elevação num mundo em aquecimento”, publicado pela ONU com as projeções mais recentes para a alta no nível do mar: Rio e São João da Barra, no Litoral Norte Fluminense. Entre 1990 e 2020, o mar subiu 13 centímetros em ambas. Mantidos os níveis atuais de emissão de gases de efeito estufa, Rio e Atafona, distrito de São João da Barra, registrarão avanço de mais 16 centímetros até 2050. O aumento é preocupante não apenas por afetar as áreas litorâneas, mas porque também amplia o perigo de tempestades, marés e ondas. Tais riscos comprovam a urgência de reduzir a emissão dos gases e, ao mesmo tempo, tomar medidas para mitigar as consequências do aquecimento do planeta.

Por anos, relatórios científicos sobre os riscos associados às mudanças no clima davam a impressão de ser exercícios teóricos, quase abstração. Mas apenas as tragédias que vivemos em 2024 até o momento já bastam para lhes conferir realidade concreta. Os gaúchos ainda se recuperam da enchente devastadora de maio. Nas regiões Centro-Oeste, Norte e Sudeste, populações são castigadas pela seca e pelo fogo avassalador. A destruição e o sofrimento demonstram o poder nefasto das mudanças climáticas.

Em manifesto divulgado na semana passada, mais de 50 expoentes dos setores produtivo e financeiro afirmam que a catástrofe no Rio Grande do Sul e o recorde de focos de incêndio no Pantanal exigem a união de esforços. O documento lembra que existem respostas capazes de resolver os problemas. A sucessão de eventos climáticos extremos e a complexidade de criar uma cooperação internacional dão a impressão equivocada de que o caos global é inexorável. Não é. O manifesto ressalta a oportunidade diante do Brasil. Se o país firmar um pacto interno em prol da natureza, impulsionará seu papel no cenário global e poderá catapultar sua liderança rumo a um futuro sustentável econômica e ambientalmente.

Os signatários do documento defendem a colaboração do setor privado com o Executivo para combater o desmatamento ilegal e recuperar áreas degradadas das florestas. Recomendam a participação do Legislativo na criação de leis para disciplinar o licenciamento ambiental e proteger os biomas. Também sugerem um Judiciário mais atuante na defesa do meio ambiente. Os empresários e executivos reconhecem ser parte insubstituível desse esforço conjunto. “Não é justo empurrar todo o ônus para o Poder Público. E não é produtivo gastar tempo apontando culpados, caçando bruxas”, afirma o documento. “Entendemos que cabe à iniciativa privada acelerar a adaptação da nossa economia à nova realidade do clima. Seja porque atuais fontes de geração de riqueza no país estão sob risco, seja porque uma mobilização de conformidade ambiental dará acesso a mais recursos e mercados.”

Como insistem em avisar os climatologistas, a hora de agir é agora. Até o final do ano passado, a temperatura média global tinha subido 1,45 °C na comparação com o período pré-industrial. Entre 1970 e 2010, o planeta ficou 0,18 °C mais quente a cada década. De 2014 para cá, a média subiu para 0,26 °C. Mantido o ritmo, em 20 anos a temperatura média atingirá a marca de 2 °C, tornando letra morta o objetivo firmado no Acordo de Paris, de 2015. Nesse cenário, as catástrofes climáticas serão mais e mais devastadoras. A capacidade da Terra de absorver calor e gases de efeito estufa, graças às florestas e aos oceanos, tem sido comprometida, segundo afirma o cientista sueco Johan Rockström, do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático, na Alemanha. O perigo, diz ele, são os pontos de inflexão, aqueles em que o sistema de resfriamento e captura de gases se transforma e passa a contribuir para a emissão de mais gases e para o próprio aquecimento global.

Qual seria esse ponto de não retorno? Rockström reconhece haver diferentes estimativas. Ressalta, porém, que as previsões são cada vez mais preocupantes à medida que os estudos avançam. As temperaturas registradas nos últimos meses no mundo todo têm superado todas as médias e desafiado as previsões mais pessimistas. Rockström defende que a saúde do planeta precisa ser recuperada, para que continue a absorver calor e emissões de carbono.“Não é utopia ou fantasia uma transição rápida para deixarmos os combustíveis fósseis”, afirmou em palestra no TED.

Evitar a distopia climática deve ser a meta da Conferência do Clima (COP30), prevista para Belém no ano que vem. O Brasil, como anfitrião, deveria dar o exemplo e apresentar um plano robusto de descarbonização. É o momento de reforçar a coalizão internacional em defesa do meio ambiente. O Brasil pode e deve assumir o papel de protagonista.

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