Miguel de Almeida
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Miguel de Almeida

Editor e diretor de cinema

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RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 01/07/2024 - 00:05

Politização da educação e censura de obras infantis no Brasil

O artigo aborda a politização da educação brasileira pela direita, a censura de obras infantis e a falta de preparo para o mercado de trabalho atual. Além disso, discute a transformação da escola em extensão da família e a importância do ensino crítico.

Não é apenas o bagrinho bolsonarista que é filhote das redes sociais. Sem esquecer o tiozão do zap e o Carluxo, hoje bem murcho (a rima vai de graça), a fauna conta ainda com os pais e mães no papel de censores. Despertados pela mafiosa ideia de escola sem partido, politizaram a já anêmica educação brasileira sem oferecer qualquer alternativa didática. Não valem as escolas cívico-militares. Seu garoto de recados é ambulante da má performance pátria na proficiência de matemática. Dele ouvimos:

— Se é 5% positivo + 4% negativo, crescemos 9%!

Embalado, acrescentou para aplauso dos bagrinhos:

— Isso é milagre, é uma coisa inacreditável!

Imagino como seria esse brasileiro no almoxarifado do Exército desafiado pelas quatro operações, tendo como braço executivo a intelectual da turma, Carla Zambelli, a que ameaçou mudar a política brasileira num giro de 360 graus. Na Câmara, a Comissão de Educação conta com o enciclopedismo da deputada, que ainda ceva enquete com a afamada obsessão: “Seu filho sofre violência ideológica na escola?”. Sim, implicam com ele porque é ponta-direita.

A postura fomenta espécie de milícia paternal sobre as escolas, quase sempre nas fases do fundamental. Desistiram de mirar o ensino superior, dado ser mais movediço e por terem caído diante da pegadinha do ministro Haddad:

— A qual livro de Gramsci você se refere?

Capa do audio - Linha Aberta - Carlos Alberto Sardenberg

A vigilância se debruça sobre páginas de obras infantis ou para young adults, em geral a partir de trechos retirados do contexto da narrativa. O último caso se deu em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, quando um grupo de pais pediu a proibição nas escolas de “O Menino Marrom”, de Ziraldo. Publicado no longínquo 1986, incomodaram-se com a passagem onde dois garotos fazem um pacto de sangue para selar a amizade; de início com uma faca, depois com um alfinete, para se decidirem enfim por uma tinta vermelha — calma, meu bagre: o ato é cravado ao final com tinta azul. Se fosse “Meu pé de laranja lima”, eu até entenderia a implicância (choro até hoje pelo gajo).

Os zelosos pais mineiros talvez não desconfiem, por razões que não cabe aqui explicar, mas praticam o identitarismo de direita. É um nicho de atuação diferente da renitente idiossincrasia praticada pela esquerda, mais de olho em cotas, privilégios ou reserva de mercado, mas que iniciou a patologia ao nomear Monteiro Lobato como racista. A ação fez escola (hum...) e ajudou o Brasil a produzir a figura do policial de parágrafos. É um assustador espectro, espécie de capitão de pijama aparelhado pelo teor programático ensinado nas redes pelos formadores de censores de opinião. Ou cancelamentos — também pode chamar assim.

À primeira vista poderiam parecer preocupados com os currículos escolares e com sua desconexão com o vibrante momento de digitalização da sociedade. Ao censurar Lobato ou Ziraldo, reencenam os luditas em defesa da tração animal. Não desconfiam que a baixíssima produtividade do brasileiro é vítima dileta de uma educação precária, tanto civil como militar. O voluntarismo obsequioso não toca no que se avizinha, o desafio de recapacitar milhares de trabalhadores à luz dos novos meios de produção. Ou de formar estudantes capazes de operar máquinas inteligentes. O quase presente são fábricas sem operários e exércitos sem soldados. Atenção: o banco mais valioso da América Latina não tem nenhuma agência física. Não é só no Brasil, infelizmente, mas o tempo político extremista transformou o professor numa profissão de risco. “Não (pela) apatia, mas pela agressividade. Não é a ausência de espírito crítico, mas a crítica ignorante da cultura escolar”, escreve o filósofo francês Alain Finkielkraut. Temos alguns degraus culturais a subir diante da França, mas a censura se manifesta no mesmo diapasão: “‘Madame Bovary’ é considerado perigosamente favorável à liberdade da mulher (...). Os alunos são incitados a desconfiar de tudo o que os professores propõem”. Daí que Rousseau e Molière estão na linha de tiro (ops!) do identitarismo de esquerda e de direita (às vezes pelos mesmos motivos!).

Por aqui se busca transformar a escola numa espécie de prolongamento da família. Portanto, sendo reflexo doméstico, se dá sob um senso absolutamente medíocre ou banal. Concordo com Finkielkraut: “A escola não deve ser a imagem da sociedade”.

Uma observação final: com dois meses de duração, encerrou-se há pouco a greve anual das universidades federais. Em breve, como sói acontecer, entraremos na temporada das paralisações estaduais. Vai, Brasil!

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